80 anos de Vidas Secas: ‘Tema não envelheceu’, diz neto de Graciliano Ramos

Em 2018, diversas datas lembram vida e obra do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Dia 20 de março, completaram-se 65 anos de sua morte. Ainda neste ano, o célebre romance Vidas Secas atinge a oitava década, provando a atualidade de um texto que há anos figura em muitas listas de leituras obrigatórias para provas de vestibular.

Para o escritor Ricardo Ramos Filho, neto do autor, a história da miserável família de retirantes castigada pela seca não só não envelheceu como escapa da ideia regionalista constantemente associada ao autor.

“Em termos mais gerais, Vidas Secas abandona a condição de romance regional, funcionando como mais uma prova de que a obra de Graciliano não seria puramente regionalista. O drama da família poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo onde existam dificuldades climáticas, políticas, de existência. Poderia se passar na Síria, Bósnia, cantos miseráveis da África”, explica em entrevista ao HuffPost Brasil.

Por coincidência, a adaptação do romance para os cinemas, feita pelo diretor Nelson Pereira dos Santos, celebra também em 2018 seus 55 anos. “Graciliano teve muita sorte com as adaptações de seu texto realizadas. Tanto Leon Hirszman como Nelson Pereira dos Santos fizeram obras-primas do cinema trabalhando romances de Graciliano”, elogia.

Em 1962, o primeiro transpôs para as telas São Bernardo, obra publicada em 1934; o segundo assina também a adaptação de Memórias do Cárcere (1953), além de Vidas secas (1963).

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Cena do filme ‘Vidas Secas’, de Nelson Pereira dos Santos.

Ramos Filho nasceu no ano seguinte ao do falecimento do avô. Ainda que não o tenha conhecido, a obra de Graciliano o marcou e ainda exerce influências no seu ofício. “Muito do que aprendeu [Ricardo Ramos, o pai] com Graciliano ensinou-me depois. A cuidar do texto, escolher as melhores palavras, enxugar sempre”, conta, ressaltando uma das características mais fortes do escritor, conhecido pela concisão e limpeza no texto.

Eventos estão previstos para celebrar as datas, como é o caso do Clube do Livro Velho Graça, grupo criado – e aberto – para conversar a respeito de obras do autor. O título escolhido para o próximo encontro, que acontece na Livraria da Vila, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, é a reunião de contos Insônia, lançado em 1947.

Leia entrevista com Ramos Filho:

Deslocamentos humanos forçados, fomentados por difíceis condições locais de vida, nunca deixaram de acontecer – e até se intensificaram nos últimos anos. Qual é a atualidade de um livro como Vidas Secas?

Ricardo Ramos Filho: Absolutamente atual, por várias razões. Se pensarmos em termos de Brasil, a seca continua castigando o Nordeste, pouco se fez para melhorar a condição de vida dos desvalidos da região, os retirantes fabianos continuam existindo. Em termos mais gerais, e nisso Vidas Secas abandona a condição de romance regional, funcionando como mais uma prova de que a obra de Graciliano não seria puramente regionalista, o drama da família poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo onde existam dificuldades climáticas, políticas, de existência. Poderia se passar na Síria, Bósnia, cantos miseráveis da África.

Vidas Secas além de cânone da nossa literatura está presente em muitas das listas de leituras para provas de vestibular. Na sua visão, a que se deve esse sucesso do livro nas escolas e entre os adolescentes?

Em primeiro lugar pela atualidade. O tema não envelheceu. Depois, acho importante e ainda não vi isso ser ressaltado, pela própria fragmentação de um texto que não foi escrito para ser romance. A sua estrutura favorece uma leitura mais ágil, pois cada capítulo se basta, pode ser lido isoladamente. De certa forma é como se lêssemos vários pequenos livros. Além disso, não se trata de um romance longo, o que facilita a leitura do jovem. Sabemos que textos muito compridos são mais dificilmente lidos pela geração atual, sempre envolvida com várias coisas ao mesmo tempo, sem muito espaço para momentos de grande introspecção que leituras mais alongadas pedem.

Há uma imagem conhecida que mostra o título “O Mundo Coberto de Pennas” riscado e corrigido para “Vidas Secas”…

Graciliano, como muitos escritores, não tinha pressa em escolher o título de seus livros. Dizia que não havia motivo para correria, não conhecia obra que tivesse sido publicada sem nome. Talvez escondesse na fala uma dificuldade particular, não lhe era tão fácil assim escolher como o romance, livro de contos, enfim, o que publicaria iria se chamar. Muitas vezes escutou sugestões de amigos e acabou alterando a escolha nas vésperas da publicação. Memórias do Cárcere, por exemplo, foi durante muito tempo Cadeia. Era como se referia ao livro. Vidas Secas seria O Mundo Coberto de Penas. Depois pensou melhor e alterou, em cima da hora. Se havia ali no texto a descrição de um mundo coberto de penas, castigos, dificuldades, não há como negar que as vidas ali descritas eram secas, esturricadas, desprovidas de quase tudo.

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Página que mostra o título anterior à escolha por ‘Vidas Secas’.

Como escritor e pesquisador da obra de seu avô, o senhor sabe nos dizer algum livro que tenha sido considerado como favorito pelo Velho Graça?

Dos que escreveu, tinha particular consideração pelo romance Angústia. Adorava os russos, considerava Leon Tolstói o maior escritor da humanidade, e A morte de Ivan Ilitch, do autor nascido em 1828, como o melhor texto já produzido.

O senhor conheceu o seu avô? Como sua literatura o influenciou?

Não o conheci. Ele morreu em 20 de março de 1953 e nasci em 04 de janeiro de 1954. A sua literatura me influenciou e influencia até hoje. Muito via meu pai. Muito do que aprendeu com Graciliano ensinou-me depois. A cuidar do texto, escolher as melhores palavras, enxugar sempre. De certa maneira aquilo que está escrito no poema Poética, de José Paulo Paes, chegou até meu texto via Velho Graça: Conciso, Com siso, Prolixo, Pro lixo.

Como o senhor vê a cena atual da literatura brasileira?

Com muito otimismo. Os momentos de crise sempre favorecem alguma arte. Se durante a ditadura militar a música foi tão vigorosa, acho que no momento atual, pós golpe, é a literatura que tem se sobressaído. Temos uma infinidade de autores jovens surgindo, romances de extrema qualidade aparecendo, eu poderia fazer uma lista enorme de nomes importantes para o texto surgidos na última década, gente de muito gabarito. Tenho participado como jurado de alguns prêmios literários: Prêmio São Paulo de Literatura, Oceanos… Sou testemunha da revolução em termos de qualidade literária que está acontecendo.

Além dos 80 anos de Vidas Secas, 2018 marca 65 anos sem Graciliano. Estão sendo previstos eventos especiais relacionados a sua vida e obra para este ano?

Sim. Efemérides sempre ajudam, são importantes para chamar atenção para o autor, vendem livro. Temos um Clube do Livro Velho Graça se reunindo na Livraria da Vila do bairro de Pinheiros, em São Paulo [próximo encontro será no dia 16 de abril, às 19h]. Iremos fazer um dossiê Graciliano Ramos que será publicado pela revista Cult, publicaremos uma nova edição de Vidas Secas com novidades, ricamente trabalhada. Será um verdadeiro tesouro. Isso só para citar alguns exemplos que me ocorrem agora.

Em um último encontro nosso, o senhor elogiou a adaptação para o cinema de São Bernardo, dirigido por Leon Hirszman. A história de Vidas Secastambém foi transportada há 55 anos, por Nelson Pereira dos Santos, e tornou-se um dos marcos da cinematografia brasileira. Como o senhor vê essa simbiose, esse diálogo, entre literatura e cinema e como os jovens podem aliar adaptações com o estudo de fato da obra?

Desde que não se esqueça de que são linguagens diferentes, e sejam evitadas comparações simplistas, acho que as adaptações são importantes como ampliação das discussões relativas ao texto original, e mesmo como possibilidade de análise isolada, independente da obra que deu origem ao filme. No caso específico, Graciliano teve muita sorte com as adaptações de seu texto realizadas. Tanto Leon Hirszman como Nelson Pereira dos Santos fizeram obras primas do cinema trabalhando romances de Graciliano.

 

 

Fonte: Huffpost

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