A preguiça nossa de cada dia

1Há muito venho me dedicando a observar e analisar o comportamento que muitas pessoas emitem, ao qual chamamos de preguiça. Essa nomenclatura sendo usada para discriminar padrões de comportamento ligados a economia de esforço. A inquietação pessoal refletia uma história de produção, de “consciência” de minhas ações, de autocontrole, de busca pelo bem estar, sobretudo nas relações interpessoais. Entretanto, me debrucei a partir de então a analisar funcionalmente como algumas pessoas abraçam o modo de vida “preguiçoso” e nada fazem para mudar sua realidade, ao invés disso, preferem desperdiçar tempo com o mínimo de gasto energético promovendo uma vida sedentária e pouco produtiva.

A dificuldade em conceituar a preguiça perpassa um percurso histórico e social que vem desde a antiguidade até os tempos atuais. Ao pesquisar sobre a preguiça no site de busca Google, aparecem 16.900.000 resultados, destes, poucos são os trabalhos científicos voltados a analisar este comportamento. Procrastinação, foi o termo mais utilizado pela ciência para analisar a preguiça através do adiamento de tarefas. A palavra preguiça tem origem latim (pigritia) e caracteriza-se por atitude que demonstra pouca disposição para o trabalho, também associada a ociosidade. A preguiça é muito antiga, datada desde antes de Cristo quando filósofos já tentavam defini-la. Na bíblia sagrada, ela aparece em diferentes livros (A porta gira sobre seus gonzos: assim o preguiçoso no seu leito. O preguiçoso põe sua mão no prato e custa-lhe muito leva-la a boca. Pro 26, 14-16) e foi considerada um dos sete pecados capitais, segundo o catecismo da igreja católica. Ressalta-se que estes pecados possuiam este caráter por se tratar de pecados que atraiam e/ou originavam outros pecados ou vícios (A preguiça é a mãe de todos os vícios).

Preguiça não é algo que a pessoa possua. Ela não pode ser entendida como uma entidade que se instala no corpo humano impedindo que ele faça suas tarefas normais do cotidiano. Este padrão de comportamento se caracteriza por economia de esforço para emitir determinado comportamento, ou seja, o preguiçoso não mantém este padrão em todas as situações contingenciais a que seu comportamento é função. Os comportamentos de preguiça aparecerão frente a determinadas demandas consideradas aversivas (evitativa) para o sujeito. Uma criança que sente preguiça de estudar, por exemplo, dificilmente terá preguiça para ir ao parque de diversões. Um jovem que sente preguiça de trabalhar, dificilmente terá a mesma preguiça para ir numa balada. Na verdade este padrão de comportamento se mantém quando o dispêndio de energia não será compatível com os ganhos a curto prazo que o sujeito receberá. Em outras palavras, muitas pessoas não foram ensinadas a compreender que o esforço de suas ações terá um efeito fortalecedor em sua sobrevivência. São pessoas que muitas vezes sempre tiveram acesso a bens com o mínimo de esforço exigido de sua parte. Quando evitamos que nossos parentes e amigos despenda energia para conseguir algo, estamos contribuindo para um sujeito doente e incapaz de buscar sua auto sobrevivência em contingências de pouco controle. Os preguiçosos são aqueles que pouco fazem para atingir seus objetivos e muito menos ainda fazem para conviver de forma harmoniosa com seus pares, de modo que preferem vê-los se movimentando em prol da relação, a ter que despender o mesmo gasto de energia com a mesma finalidade (afinal, por que fazer se já tem quem faça?!).

Segundo Ballone (2010) o psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade de Paul, do estado americano de Illinois, autor do livro ‘procrastination’ , estudou esse comportamento em países tão distintos como Autrália, EUA e Venezuela para comprovar que não se trata de um comportamento de raízes culturais apenas, mas uma conduta intrínseca ao ser humano. Dessa forma, é possível compreendermos este fenômeno através da filogênese, a qual nos permitirá voltarmos a história evolutiva de nossa espécie, onde despender energia, quando não se estava em privação, era associado a desperdício da mesma. Com isso, despender energia só terá utilidade se garantir a sobrevivência da espécie. Nicolau Chaud, mestre em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, em artigo publicado em 2013, afirma que

“quando o organismo está momentaneamente suprido de suas necessidades biológicas básicas, qualquer dispêndio de energia pode ser considerado um desperdício. Talvez seja difícil enxergar a importância desse tipo de economia pensando em nós mesmos, seres humanos vivendo em um contexto no qual praticamente não existe escassez de alimento e um dispêndio de energia para obtenção de recursos muito maior, de forma que desperdícios podiam ter implicações sérias para o indivíduo e o grupo”.

Evolutivamente tivemos razões para que este padrão comportamental fosse selecionado afim de garantir a sobrevivência de nossa espécie, no entanto, como todo comportamento possui bases também ontogenética e filogenética, precisamos compreender ainda que a sociedade atual tem se revelado como um ambiente que produz pessoas cada vez mais preguiçosas, em vista do elevado número de ferramentas e artifícios tecnológicos que têm por objetivo a economia de esforço e a valorização da facilidade em obter reforçadores com um mínimo de dispêndio energético. Além disso, nossos pais estão formando filhos cada vez menos produtivos, hipervalorizando seu bem estar a todo custo e evitando qualquer desgaste que coloque o mesmo na posição de sofrimento, por mais que seja necessário.

Temos ferramentas, agora, para compreendermos que filogeneticamante, ontogeneticamente e sociogeneticamente a preguiça é um comportamento instalado e mantido funcionalmente como qualquer outro e passa pelos mesmos princípios de aprendizagem universal. Pessoas preguiçosas estão pouco motivadas a agir no ambiente que estão inseridas, ao invés disso preferem reclamar quando as coisas não lhe são facilitadas como de costume. “são aquelas pessoas que reclamam e não tomam uma atitude para modificar o que lhes parece desconfortável. Primeiramente é preciso compreender que elas reclamam na maioria dos casos dos padrões do grupo e das coisas que estão envolvidas porque não são capazes de identificar com precisão as contingências que mantém os seus comportamentos”. (GÉRSON ALVES, 2014).

Uma pessoa com preguiça está muito pouco motivada a agir, então analisar funcionalmente a motivação como sendo oposta a preguiça pode ser o início de uma compreensão mais clara do comportamento humano. No próximo texto, que dará continuidade a este vamos analisar a motivação como um elemento crucial para que as pessoas começem a agir em seu ambiente, transformando-o contingentemente mais produtivo. Ou não. Até logo!

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

BALLONE GJ, Mania de deixar tudo para depois – procrastinação, in. PsiqWeb, Internet, disponível em http:/www.psiqweb.med.br/2010.

CHAUD, Nicolau. A função da preguiça. 2013. Disponível em: < http://www.comportese.com/2013/03/a-funcao-da-preguica>

ALVES, Gérson. Pessoas que reclamam, mas nada fazem. 2012.

2 comentários sobre “A preguiça nossa de cada dia

  1. Quando o sujeito faz um esforço para evitar a emissão do comportamento de preguiça os benefícios são muitos. O problema é que esses benefícios sempre serão a longo prazo e na maioria das vezes ocorre a desmotivação. A disciplina auxilia bastante nesse processo, trazendo além de muitos ganhos uma produtividade e uma melhor qualidade de vida. Excelente texto Diego!

  2. “Na verdade este padrão de comportamento se mantém quando o dispêndio de energia não será compatível com os ganhos a curto prazo que o sujeito receberá. ” Explica a luta de quem quer emagrecer por meio do auxílio dos exércicios físicos, que comumente é abandonado na primeira semana de atividades, uma vez que os resultados virá com tempo e não imediato.

    Gostei!!

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