Um mal chamado droga ansiolítica

1Você conhece alguém que todos os dias precisa tomar remédio controlado para dormir? Não apenas para dormir, mas também para enfrentar alguma situação de desconforto que está passando. Já percebeu que elas sempre que estão enfrentando alguma dificuldade recorrem imediatamente ao medicamento, de modo que com o tempo as doses precisam ser dobradas para aumentar seu “efeito de primeira passagem” e acabam tornando-se dependentes dessa droga? É uma realidade bastante comum aos consumistas de drogas que controlam o comportamento e veem na pílula a solução para seus problemas corriqueiros e até mesmo comuns e naturais como o de descanso.

A sociedade atual tem se revelado como cada vez mais adepta ao consumo e uso de mercadorias e produtos que tem por objetivo a obtenção de uma vida mais facilitada com o mínimo de gasto energético possível. A industria farmacêutica, acompanhando essa nova sociedade cresce cada vez mais e torna-se uma das indústrias mais poderosas do mundo e todo seu sucesso está implicado na produção de drogas que aliviem os problemas humanos, alimentando a falsa ideia de resolução. Os benzodiazepínicos são um conjunto de drogas que são também conhecidas como ansiolíticos e fazem parte do ranking dos medicamentos mais consumidos no mundo, tendo o consumo indiscriminado como seu principal aliado. Mas o que são essas drogas e o que provocam no organismo, tornando um perigo pra quem toma?

Os benzodiazepínicos foram descobertos por volta de 1950 e logo ganhou aceitação no meio médico pela eficiência de seu resultado e baixo nível de efeito colateral no organismo, apareceram como maior margem de segurança frente aos ansioíticos e sedativos. Droga usada para tratar ansiedade como os barbitúricos, agonistas dos receptores 5-HT e agonistas dos receptores B-adrenérgicos. Essas drogas podem ser classificadas como depressoras do sistema nervoso central. Vale ressaltar que atualmente as drogas psicotrópicas são classificadas em depressoras, estimulantes e perturbadoras. Cada classificação tem um mecanismo de ação específico no Sistema Nervoso Central (SNC), indo desde a sedação leve até quadros graves de hipnose. Os benzodiazepínicos, em particular, agem no sistema gabaérgico facilitando a diminuição da atividade do cérebro podendo levar o organismo ao coma, em doses exageradas. São comercializadas por diferentes nomenclaturas e em sua maioria possuem o sufixo “pam” (clonazepam, diazepam, lorazepam, flurazepam, nitrazepam, entre outros. Entre esses, o diazepam tornou-se em pouco tempo o benzodiazepínico mais vendido dentro da classe dos sedativos, hipnóticos e ansiolíticos).

Pessoas que aderem ao consumo indiscriminado dos benzodiazepínicos geralmente enfrentam alguma tensão em forma de ansiedade, depressão, insônia e encontram no medicamento uma maneira de passar pelo sofrimento. Funciona assim: quando o cérebro está funcionando exageradamente em vista de alguma estimulação externa, essa droga tem como efeito inibir áreas hiperestimuladas deprimindo o SNC, deixando a pessoa relaxada e sonolenta. No entanto, é válido ressaltar que naturalmente passaremos por situações na vida em que o cérebro precisa estar mais estimulado até mesmo para responder de modo adequado ao ambiente. Um estado de ansiedade por exemplo é uma indicação de que o organismo precisa se preparar para agir em determinada situação e mais que isso, precisa buscar soluções para resolver os problemas enfrentados no ambiente. Isso significa dizer também que nossas habilidades de resolução de problema entram em jogo quando temos um repertório que favoreça ou não nossa ação no ambiente. Algumas situações começam a ser preocupantes quando passam a atrapalhar a vida do indivíduo impedindo que ele faça atividades normais de dia a dia. Neste caso há um estado de ansiedade disfuncional ao ambiente, proveniente de um repertório empobrecido para resolver a situação. Em estado de hiperfuncionamento, o cérebro passa a trabalhar excessivamente aumentando a liberação de neurotransmissores responsáveis por diferentes comportamentos do indivíduo, entre eles a adenosina, responsável por nosso sono.

Receitar benzodiazepínicos tem sido algo comum na comunidade médica afim de “acalmar” o indivíduo nessas situações para que ele enfrente “melhor” as situações. “Melhor” pra quem? Dopar uma pessoa com uma droga afim de que ela passe melhor por determinada situação não contribui para que ela amplie seu repertório de comportamento em situações semelhantes. Em alguns casos, é possível que se aconselhe o uso dos benzodiazepínicos, entretanto isso precisa ser revisto afim de que não exceda o tempo de tolerância do próprio organismo à droga consumida. No caso dos benzodiazepínicos, seu consumo não pode exceder três a quatro meses. Passado esse tempo, o organismo já entra num estado de dependência à droga, ou seja, os comportamentos que normalmente poderiam ser emitidos sem a droga, agora precisam dela para ser emitido e em doses cada vez maiores. Em farmacodinâmica, chamamos isso de “efeito de primeira passagem”, como citado no início do texto. Isso tem haver com a memória celular onde o organismo estará sempre em busca da sensação de primeiro contato com a substância. O efeito causado pela droga nas células inibindo ou recaptando neurotransmissores, é chamado de “sítio molecular de ação.

A dependência aos benzodiazepínicos provoca déficits cognitivos difíceis de reversão, como a memória e aprendizagem. Aquilo que inicialmente tomamos para “resolver” um problema, acaba causando outro e agora o indivíduo se vê tendo que aderir a outro medicamento para melhorar sua memória, este, por sua vez também tem seus efeitos colaterais e mais tarde essa mesma pessoa que toma dois tipos de medicamentos, agora precisará de um terceiro para tratar os efeitos colaterais da outra droga e esse ciclo continua até que a pessoa se vê presa a uma armadilha que ela mesma armou para fugir dos aversivos sociais, tendo sérios problemas de saúde e inábil para resolver seus problemas de comportamento. Interromper o uso do benzodiazepínico pode levar o sujeito a ter outros problemas, pois em abstinência, a pessoa tem bastante irritabilidade e insônia excessiva acompanhados de outros sintomas. “abstinência refere-se à emergência de novos sintomas seguintes â descontinuação ou redução dos benzodiazepínicos. Ela deve ser diferenciada dos sintomas de rebote, que se caracterizam pelo retorno dos sintomas originais para os quais os benzodiazepínicos foram prescritos, numa intensidade significativamente maior” (NASTASY, RIBEIRO, e MARQUES, 2012).

Frente ao exposto, pode-se afirmar que usar os medicamentos benzodiazepínicos pode ser uma armadilha de reforçamento onde a curto prazo, a sensação de alívio pode ser agradável, no entanto à longo prazo as consequencias podem ser desastrosas ao consumista. É necessário avaliar o tempo em que a substância será consumida afim de não reforçar seu consumo. Ao ser consultado por algum profissional da saúde que lhe receite esta medicação, é aconselhável que se tenha conhecimento do tempo necessário para tomar a medicação e os efeitos colaterais que ela causará em seu organismo. Do contrário, estaremos promovendo uma sociedade cada vez mais adepta ao uso indiscriminado desta droga e pouco produtiva, no sentido de promover ambientes onde as pessoas possam enfrentar seus problemas de forma assertiva e que garanta sua sobrevivência.  

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo clínico comportamental na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, Psicólogo no Centro de Referência Especializado de Assistência social e Consultor organizacional na empresa Behavior.

Referências:

MENDES, K.C.C. O uso prolongado dos benzodiazepínicos: uma revisão da literatura. Pompéu, Minas Gerais, 2013. Disponível em: < https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/4077.pdf>.

NASTASY H., RIBEIRO M., MARQUES, A.C.P.R. Abuso e dependência dos benzodiazepínicos. Associação Brasileira de Psiquiatria, 2012. Disponível em:<http://fmb.unesp.br/Home/Departamentos/Neurologia,PsicologiaePsiquiatria/ViverBem/Consenso_benzodiazepinicos.pdf>.

Skinner, B. F. (1980). Contingências do reforço: Uma análise teórica. Tradução organizada por R. Moreno. Em Pavlov/Skinner (pp. 171-380), . São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969)

 

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