Setembro amarelo: Mês de prevenção ao suicídio

Estatísticas internacionais revelam números assustadores envolvendo o tema suicídio como fato consumado, ou como tentativas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma pessoa se suicida a cada 40 segundos no mundo. Este número pode ser ainda mais alarmante se considerarmos os atos não registrados de morte por causa desconhecida. No início desse ano, uma série da Netflix, abordou o tema suicídio e despertou várias críticas de estudiosos do assunto, profissionais e o público em geral, principalmente os jovens. “13 reasons why” contava um drama vivido por Hanna que após sobre vários tipos de bullyings se suicidou. Historicamente, este tema carrega tabus que se configuram em preconceitos e falta de oportunidade para falar sobre o assunto nos espaços sociais. Tratá-lo com desmerecimento não ameniza as estatísticas que registram a cada 40 segundos novos casos de suicídio, muito menos contribui para a melhora da qualidade de vida das pessoas; pelo contrário, fortalece esses números e não oportuniza condições para pessoas em sofrimento buscarem ajuda. Suicídio é um tema amplo que abrange não apenas a pessoa em si mas toda uma rede de pessoas que direta ou indiretamente estão ligadas ao suicida. Foi pensando na importância de se falar sobre o assunto que a OMS, decretou hoje, 10 de setembro como o dia mundial de prevenção ao suicídio.

O suicídio se configura como o ato de uma pessoa tirar a própria vida e seus sentidos e significados estarão implicados nas relações sociais de determinada culturas, podendo haver sociedades que o aborda com desprezo, entendendo-o como uma forma negativa de expressão, outras como atos de vitória e heroísmo. No entanto, o suicídio se estende entre as três principais causas de morte de pessoas que têm de 15 a 44 anos de idade. Segundo os registros da Organização Mundial de Saúde (OMS), ele é responsável anualmente por um milhão de óbitos (o que corresponde a 1,4% do total de mortes). Essas cifras não incluem as tentativas de suicídio, de 10 a 20 vezes mais frequentes que o suicídio em si (World Health Organization [WHO], 2014). A despeito de possuir um coeficiente considerado relativamente baixo, por ser um país populoso, o Brasil figura entre os dez países que registram os maiores números absolutos de suicídios, segundo dados compilados pela OMS (Värnik, 2012; WHO, 2014). Em 2011, houve 9.852 suicídios oficialmente registrados no país, o que representa, em média, 27 mortes por dia (Brasil, 2013).

Estes dados, inevitavelmente, nos fazem pensar “o que leva uma pessoa a tirar a própria vida” e logo, nos damos conta da infinitude de análises que podem ser feitas, principalmente quando conhecemos o caso mais de perto, bem como nos fazem refletir sobre o desconhecimento do que acontece no “mundo mental” de cada um.  O mundo mental estará desconectado do mundo real, se o significamos como algo interno ao sujeito, inacessível até mesmo a ele. Precisamos antes, compreender o mundo mental como relações que o sujeito estabelece com seu meio ambiente, pois tudo que o sujeito vivencia, suas experiências externas ou internas estarão implicadas no mundo externo ao sujeito, portanto as relações de causa e consequência com o ambiente. Quando falamos de análise do comportamento, estamos nos referindo a uma ciência psicológica que compreende o sujeito em interação com o mundo a sua volta, portanto agindo no ambiente e este último retroagindo sobre ele.

Os fatores de risco do suicídio, ainda conforme a OMS estarão ligados na maioria dos casos a presença de algum transtorno mental, principalmente transtornos de humor como a depressão e bipolaridade, e transtornos como a esquizofrenia, além da dependência química. Os riscos se agravam ainda mais quando há presença de depressão e ingestão de álcool e outras drogas. Há também situações de risco relacionadas à própria doença clínica (AIDS, Câncer, entre outros) ou ao seu tratamento, como dor de difícil controle, estados metabólicos anormais, condições que afetam o sistema nervoso central, efeitos adversos de fármacos, interações entre medicamentos e estados de abstinência. As causas do suicídio também são provenientes de acontecimentos recentes como a perda do emprego, trauma psicológico vivido, perdas pessoais, sentimentos de baixa autoestima, questões de orientação sexual, ou exposição ao suicídio de outras pessoas, entre outros.

Estes dados nos fornecem subsídios para considerarmos, em termos comportamentais que essas pessoas vivem sob “estimulações aversivas”. O termo parece estranho mas significa relações com o ambiente que atingem de modo negativo ao sujeito. Uma pessoa pode estar sob estimulação aversiva, por exemplo, quando vive uma separação amorosa, com quem muito tinha esperança de construir uma história de amor. A estimulação aversiva pode partir tanto de uma situação específica, quanto de um conjunto de estímulos, que debilitam o sujeito de modo a fazê-lo responder (comportar-se) menos ao ambiente. Neste sentido, o suicídio tem como principal função a fuga e a esquiva de situações aversivas. Chamamos de fuga todo comportamento que tem por finalidade livrar-se de uma situação aversiva no momento em que ela acontece, por exemplo quando um sapato aperta nossos pés, logo o tiramos pra se livrar do desconforto. O mesmo acontece com a esquiva só que nós emitimos o comportamento de livrar-se do aversivo antes dele acontecer, por exemplo quando temos que apresentar um trabalho escolar, faltamos ao colégio justificando que estava doente. Desse modo, o comportamento suicida tem como finalidade (função) geral evitar uma situação negativa. Alguns teóricos abordam o tema suicídio catalogando situações vulneráveis como as citadas aqui, que vão desde situações pessoais, quanto sociais, amorosas, financeiras, orgânicas e relacionais. Algo de extrema importância que é a sobrevivência, neste tema parece retroceder a evolução, quando o próprio organismo dá fim a si mesmo, mas algo filogenético parece embasar esta questão: a apoptose, ou seja células de nosso corpo se matam pelo bem coletivo (parece até com os homens-bomba que já conhecemos). Funciona dessa maneira: a morte celular é uma estratégia de defesa contra micro-organismos, por exemplo, ao sermos infectados por um vírus, para que estes não se manifestem se multiplicando. Para que o suicídio ocorra é disparado um programa chamado apoptose e a morte celular acontece em meio a um processo, nada é de repente. Outros fatores envolvidos com o suicídio está relacionado a necessidade de atenção das pessoas a sua volta, algo semelhante ao drama vivido por Hanna na série. Neste caso, atenção pode ser definida como “reforço social”, algo que todos nós almejamos. Mas estas causas não podem ser consideradas isoladamente, pois precisamos compreender que as pessoas, muitas vezes emitem comportamentos que podem ser classificados de disfuncionais, ou seja, se configura como padrões de comportamento típico de certas psicopatologias, e neste sentido precisamos compreender a psicopatologia não como algo em si que se aloja no organismo do sujeito, mas como um repertório comportamental específico para lidar com algumas situações. Com isso, não podemos dizer que a psicopatologia (depressão, bipolaridade, dependência química) causou o suicídio, mas que ele foi resultado de uma gama de estimulações aversivas vivenciadas pela pessoa. A própria psicopatologia é uma gama de estimulações específicas que afetam ao organismo e o modo como o sujeito vai lidar com essas estimulações é que pode se enquadrar num quadro de psicopatologia ou transtorno mental.

Partindo do pressuposto de que todo comportamento é instalado e mantido pelo ambiente, pode-se afirmar que o comportamento suicida é produto das interações do sujeito com o ambiente, QUANDO este está sob condições de risco que incluem sua fragilidade para lidar com situações aversivas, ou seja, quando o indivíduo não tem meios (comportamentos) para enfrentar um sofrimento presente. Normalmente pessoas que emitem comportamentos suicidas deixam claro um repertório comportamental pouco variado tendo em vista a limitação para lidar com frustrações.  Uma mulher de 20 anos, por exemplo, que sempre foi polpada de qualquer tipo de sofrimento, tendo todos os seus desejos atendidos e tratada como uma princesa pelos pais, provavelmente tenderá a entrar numa condição depressiva (de desamparo) frente a algum tipo de frustração como o de “não ser reconhecida nos ambientes sociais”, ou até mesmo ser mal sucedida em alguma atividade, nunca feita por ela. Em alguns casos, o fato de ser traída pelo namorado, pode ser motivo de suicídio, tendo em vista sua tentativa de chamar atenção do mesmo. Estes casos não difere de muitos outros. Quando estamos falando de “chamar atenção” devemos entendê-lo como a tentativa de fazer com que o outro nos enxergue e saiba que estamos em sofrimento, é isso que acontece nos casos de tentativa de suicídio, quando mal “sucedida”.

Quando em análise do comportamento falamos de estratégias para resolução de problemas, estamos nos referindo a uma variabilidade comportamental para lidar com os aversivos, na busca pela emissão de comportamentos que tenham como finalidade a resolução do aversivo que estamos vivenciando. Os casos são variados e requer melhores análises que vão desde a história de vida do sujeito até suas condições atuais, ambos, significando um repertório comportamental deficitário ou em excesso, e a psicoterapia pode ser um instrumento primordial para aquisição de um melhor repertório para lidar com frustrações, por isso ao contrário do que se pensa, não há uma resposta óbvia, imediata, simples, nem completa. Suicídio é um fenômeno altamente complexo e resulta de uma combinação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. (Zortea, 2015). Só numa análise funcional poderá ser possível chegar a funcionalidade do comportamento de tirar a própria vida, pois o comportamento humano é multideterminado.

Diego Marcos vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

 

REFERÊNCIAS

BOTEGA, N. J. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP. 2014, Vol. 25, nº 3, pgs. 231-236. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/pusp/v25n3/0103-6564-pusp-25-03-0231.pdf > acesso em 10 de setembro de 2017.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Figures and facts about suicide. Geneve: WHO, 1999

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção do suicídio – um recurso para conselheiros. GENEBRA, 2006. Disponível em < http://www.proec.ufpr.br/download/extensao/2017/abr/suicidio/prev_suicidio_recurso_para_conselheiros.pdf > Acesso em 10 de setembro.

SOARES, Vinicius Henrique Pedrosa. Suicídio celular. Portal educação, 2012. Disponível em: < https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/biologia/suicidio-celular/21191> Acesso em 10 de setembro

ZORTEA, Tiago. Prevenção ao suicídio em nível individual: o papel da empatia no salvamento de vidas. 2016. Comporte-se. Disponível em: < http://www.comportese.com/2016/10/prevencao-suicidio-empatia> acesso em 20 de agosto de 2017.

 

 

4 comentários sobre “Setembro amarelo: Mês de prevenção ao suicídio

  1. O texto é esclarecedor quando mostra a necessidade de analisar o modo que organismo reage às demandas ambientais, possibilitando a instalação do comportamento suicida. Diego trás, de maneira brilhante a funcionalidade e os ganhos que o sujeito tem ao emitir tal comportamento, dentro de sua complexidade. Desse modo, é possível, auxiliar o sujeito e intervir de maneira eficaz no enfrentamento de situações aversivas. Parabéns!!

  2. Excelente Texto. Principalmente por mostrar como o suicídio pode se desenvolver. E estando atrelado ao ambiente que cada um convive, nos faz abrir os olhos para melhores tratamentos de prevenção.

  3. O assunto é mais que pertinente, inclusive por ser um tabu em nossa sociedade. Abordá-lo através de uma perspectiva funcional de fato pode auxiliar na prevenção do ato suicida.
    Abraços!

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