A dor da perda

Após ser informado sobre sua condição terminal, B. F. Skinner disse em entrevista para National Public Radio em 1990:

[…] E quando me contaram que eu tinha isso [leucemia] e iria morrer em poucos meses, eu não tive nenhum tipo de emoção. Nem um pouco de pânico, medo ou ansiedade. Nada. A única coisa que me emocionou, de verdade, meus olhos se encheram de água quando pensei isso, é que eu teria que contar a minha esposa e filhas sobre isso. Sabe, quando você morre você machuca as pessoas, se elas te amam. E você não pode evitar. Você tem que fazer isso. E isso me incomodava. [tradução nossa]. (Ridanos Protectors, 2014 apud Nascimento et al, 2015)

Nesse breve comentário, o fundador do Behaviorismo Radical exemplifica uma das experiências mais marcantes que o ser humano pode vivenciar: o luto. Condição inerente ao ser humano, este comportamento pode ser entendido como “punição negativa”, a qual o comportamento diminui quando algo é retirado do ambiente da pessoa. Lidar com a perda de algo importante não é tarefa fácil, principalmente para pessoas que dependiam do objeto perdido para prover seu ambiente. No entanto apesar de estarmos sujeitos a perdas constantemente, muitas vezes preferimos acreditar que ela se efetivará num tempo distante, tendo em vista a relação prazerosa que se estabeleceu entre a pessoa e objeto perdido.

Para analisarmos o luto, precisamos antes entendê-lo como um estado emocional que se caracteriza pela depressão do sistema nervoso central, permitindo à pessoa enlutada diminuição dos comportamentos normalmente emitidos no ambiente. Para exemplificar melhor,  imaginemos que João seja bastante apegado ao seu cãozinho e há quatro anos fazem caminhadas juntos pelas ruas da cidade todos os dias pela manhã, até que um dia o cãozinho morre. É natural que o comportamento de passear pelas ruas da cidade todos os dias seja diminuído e além disso, João passe a maior parte do tempo em casa, pensando e olhando as fotos do cachorro. Dessa forma, podemos considerar o luto como um conjunto de comportamentos que interagem com o ambiente, denotando a ele uma análise precisa de previsão e controle. Eventos antecedentes pode-se considerar o vínculo e a perda, as reações do luto como o próprio comportamento e a “recuperação” como consequência.

Em psicoterapia analítico-comportamental, trabalhamos com a “audiência não-punitiva” que significa um acolhimento da pessoa enlutada, compreendendo que cada processo de luto é único e será influenciado por fatores distintos, como quem era a pessoa que morreu; a natureza do vínculo com a pessoa morreu, antecedentes históricos; variáveis de personalidade; variáveis sociais e estressores concorrentes, como prejuízos secundários, mudanças sobrepostas e crises subjacentes à perda. Muitas vezes aquele que busca terapia está desmotivado para continuar vivendo sem a pessoa perdida, pois não vê outra forma de existência. Com isso, agem pouco em seu ambiente, passando a maior parte do tempo isolado do convívio social e deixam de fazer atividades rotineiras como de costume, a isso damos o nome de “contingência aversiva” e envolve estímulos que diminuem a atividade do organismo.

Segundo Worden (2013), supõe-se que há influências biológicas para que a separação influencie respostas instintivas de reparação. Quando se trata de humanos, fatores culturais também moldam a maneira como cada um reage à perda, mas a tentativa de reencontro com o falecido é uma frequente em praticamente todas as civilizações, como, por exemplo, por meio de rituais religiosos ou apego a pertences do falecido. Quando falamos de fatores culturais estamos falando de “sociogênese” e creditamos a ela boa parte das causas de nosso comportamento, inclusive dos sentimentos, então a forma como reagiremos a perda deve considerar uma análise do ambiente ao qual estamos inseridos, dando maior ênfase a todos os aspectos que podem influenciar na forma como o comportamento de enlutar será emitido.

Diferenciando a perda do luto, a variável mais importante é a vinculação. Em 31 de outubro de 2002, o assassinato do casal de classe média alta Manfred e Marísia von Richthofen, na Zona sul de São Paulo, chocou o país ao ser descoberto que a filha do casal, Suzane, foi a responsável pelo assassinato. Embora disseram à polícia que mataram o casal porque tinham proibido o namoro de Suzane com Daniel, a polícia afirma que a causa tem relação com a herança que deixariam para a filha. Este caso real denota um aspecto importante para a análise do luto, pois envolve uma gama de variáveis para ser analisada, mas em particular quero frisar que a “perda” dos pais representava um alto valor de benefícios para Suzane, considerando a herança que receberia. Por isso nem toda perda significa luto. A perda significará luto quando se tem uma relação de apego emocional com o objeto perdido, semelhante a mães que perdem seus filhos, casais que se separam, amigos que se despedem antes de uma viagem sem volta, pessoas ligadas por laços afetivos. A esse comportamento natural, damos o nome de vinculação. Evoluímos com o “comportamento de vínculo”, pois foi necessário para nossa sobrevivência, principalmente onde relacionar-se com as pessoas tinha um valor de segurança em grupo. No entanto, como ilustrado no caso acima, a perda, embora planejada pela filha, tinha um alto valor de reforço para a mesma, o que também não significa dizer que ela não sofreu com isso ao se ver agora responsável por seus próprios atos. O comportamento humano é multideterminado, por isso não podemos avaliar o luto apenas pela forma como as pessoas estão emitindo. As reações à perda tendem a ser excessivas nos casos em que parte considerável dos reforçadores positivos da vida do enlutado dependiam do falecido para serem produzidos (Torres, 2010).

Podemos ser capazes de vivenciar o luto com menos impacto, se antes nos preocuparmos em prover um ambiente onde os benefícios alcançados por meio de alguém, sejam alcançados por nós próprios, a isso damos o nome de “habilidades”. Uma pessoa de 20 anos, que nunca trabalhou, que sempre alcançou o que queria pelo esforço de alguém e mantinha-se numa bolha isolada do convívio social, com certeza sentirá o luto de uma forma muito mais severa do que uma outra pessoa de mesma idade que está trabalhando, ativa, na faculdade e alcançando seus objetivos por meio de seus próprios esforços. Entretanto, isso não impede a pessoa de treinar suas habilidades para superar da melhor forma a perda de alguém importante, aumentando seu repertório comportamental. Assumir responsabilidades funciona como uma importante ferramenta para ampliar nosso repertório, somando a isso ser provedor de seu próprio ambiente.

Para superar o luto, faz-se necessário antes vivenciá-lo. Objetos pessoais, ambientes que frequentavam, fotos registradas e pessoas queridas, podem ser estímulos aversivos para a pessoa enlutada que de início pode optar por evitá-los. No entanto, a depender da recuperação, estar em contato com estes estímulos pode ser uma maneira encontrada para se despedir de forma saudável da pessoa perdida. Lembrar de maneira positiva da pessoa, considerando a contribuição dela para sua vida, pode também funcionar como formas benéficas para se vivenciar o luto. Nossa cultura também se utiliza de estímulos religiosos para interpretar nossas ações no mundo, para algumas pessoas, entrar num grupo religioso possibilita aceitação, vinculação, acolhimento nesse momento de dor,  porém a psicoterapia se faz como uma ferramenta crucial nesse processo natural, pois utiliza-se de ferramentas específicas para a recuperação da pessoa enlutada.

Assim, levando em consideração que nosso comportamento é produzido na interação com nosso ambiente, o luto também deve ser analisado conforme cada caso, pois cada processo de luto será influenciado por fatores distintos e merecem uma análise funcional do comportamento em questão. Seja ativo! Movimente-se! Alcance seus objetivos mediante seus próprios esforços, ampliando suas habilidades de sobreviver num ambiente aversivo.

 

REFERÊNCIAS:

NASCIMENTO, D.C. NASSER, G.M. AMORIM, C.A.A. PORTO, T.H. Luto: uma perspectiva da terapia analítico-comportamental. Psico/Argum. 2015. Out./dez. 33 (83), 446-458.

SKINNER, B. F. (1980). Contingências do reforço: Uma análise teórica. Tradução organizada por R. Moreno. Em Pavlov/Skinner (pp. 171-380), . São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969)

TORRES, N (2010). Luto: a dor que se perde com o tempo (…ou não se perde?). In M. R. Garcia, P.R. Abreu, E.N. Cillo, P.B. Faleiros, & P.Piazzon, Sobre comportamento e cogniçao: Terapia Comportamental Cognitiva (Vol. 27, pp. 385-393). Santo Andre, SP: ESETec Editores Associados.

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