Ano novo feliz?

1Passados doze meses, voltamos a felicitar nossos parentes e amigos com um novo ano repleto, acima de tudo, de felicidade. Alguns desejam saúde, sucesso, dinheiro, paz, amor. Outros aproveitam para fazerem pedidos, outros ainda para fazerem promessas a serem cumpridas no novo ano. Mas o que estes diferentes comportamentos têm em comum? A felicidade. As pessoas buscam incessantemente este bem estar superior que se traduz em pequenas realizações que somadas, fazem parte de um espectro, o qual define o que seja a felicidade. Independente das felicitações de fim de ano, todos nós desejamos estar bem consigo mesmo e com as pessoas a nossa volta. Mas é possível definir a felicidade em termos comportamentais?

Desde nosssos ancestrais a busca pelo bem estar é uma constante. Conforme a teoria da evolução, os organismos evoluíram mediante o acesso a bens naturais (alimento, segurança, reprodução, etc), os quais proporcionaram a estes se adaptarem a diferentes climas e regiões modificando, o ambiente natural em que viviam e por sua vez sendo modificado por ele. A filosofia behaviorista, com base nesta teoria, adota o modelo causal de seleção por consequências, admitindo que nossos comportamentos foram selecionados naturalmente mediante as consequências de nossas ações. Dessa forma, não só nosso cérebro evoluiu, mas a forma como nos comportamentos também.

Csikszentmihalyi (1999, p.26) afirma que “até meados do século XX, psicólogos relutavam em estudar a felicidade, porque o paradigma behaviorista reinante nas ciências sociais sustentava que emoções subjetivas eram vagas demais para que fossem objetos apropriados de pesquisa científica”. Tal afirmação, acredita-se que seja proveniente de uma confusão de conceitos vigente na época entre Behaviorismo Metodológico, fundado por Watson e o Behaviorismo Radical, fundado por Skinner. Para o primeiro, apenas o comportamento observável poderia ser estudado, entretanto para o segundo aquilo que as pessoas sentem é, geralmente, tão importante quanto o que elas fazem.

Platão (2001b) apud Rocha, Gonçalves e Pereira (2011), no Banquete, condiciona a felicidade ao amor; no discurso de Fedro, enfatiza: “de todos os deuses, o amor é o mais antigo, o mais augusto de todos, o mais capaz de tornar o homem virtuoso e feliz durante a vida pós morte” (p.106) e no discurso de Aristófanes, argumenta: “A humanidade encontraria a perfeita felicidade se abandonasse às injunções do amor, encontrando cada um o seu próprio amor” (p.127).  A felicidade vem sendo definida como algo subjetivo inerente, portanto, a mentalidade humana. Nesta concepção, há preponderância dos afetos positivos em vista dos afetos negativos, bem como vem sendo investigada relacionada com atividades de lazer, valores, em relações interpessoais e motivação para autorealização. Já para Marco Aurélio (2002) apud Rocha, Gonçalves e Pereira (2011) “para ser feliz a pessoa deve estar atenta a sua própria honra, agindo com dignidade, humanidade, independência e justiça.” Tanto Csikszentmihalyi (1999) como Diener et al. (1997) indicam que a qualidade de vida e o bem-estar subjetivo dependem, então, do que a pessoa faz efetivamente para ser feliz – se desenvolve metas que dão significado à sua existência, se usa plenamente a sua capacidade intelectual para atingir objetivos e satisfazer necessidades e se transcende os limites do hedonismo ao refletir valores mais profundos do que o prazer físico e as emoções efêmeras.

Como citado pelos autores acima, é possível encontrar a felicidade em diferentes áreas de nossas vidas, desde que a compreendamos como algo subjetivo e individual. Em outras palavras, NÃO HÁ como eleger determinadas características como sendo a que levarão as pessoas a serem felizes. Em 1948, B.F. Skinner publicou Walden II, um livro de ficção científica que fala sobre uma sociedade planejada, onde as pessoas eram consequenciadas por suas ações conforme aquilo que faziam no ambiente. Temos nessa obra um exemplo de sociedade que proporciona o bem estar aos seus. Com isso é possível iniciarmos nossa análise da felicidade atribuindo a ela uma conotação SOCIOGENÉTICA, onde o sistema ao qual estamos inserido é capaz de consequenciar as pessoas conforme o bem ou mal que fazem. Nosso atual sistema brasileiro é regido por ferramentas coercitivas e as pessoas se comportam de maneira a não serem punidas. A isso dá-se o nome de reforçamento negativo. Não só o governo, mas outras agências de controle também contribuem para um sistema falho em termos de planejamento de uma sociedade compensatória. No entanto, ainda assim as pessoas conseguem encontrar a felicidade, mesmo estando em um ambiente em que é necessário se adaptar, embora nada podem fazer para modificar; partiremos agora para uma outra conotação da felicidade: a FILOGENÉTICA. Baseada nos princícios da evolução, existem poucas maneiras de um organismo encontrar seu bem estar  e todas elas estão incluídas no que conhecemos como mecanismos de sobrevivência, ou ainda como reforçadores primários. Como exemplo, citamos a alimentação. Sem alimento, o organismo não consegue sobreviver por muito tempo, e para muitas pessoas basta ter acesso a esse bem para sentirem-se felizes e preenchidas; outros exemplos são acesso a sexo, ambiente seguro, acesso a água, aprovação social, entre outros.

Mas para muitos, mesmo estando em uma sociedade coercitiva e com falta de alimento ainda conseguem ser felizes. Analisaremos agora um último aspecto da felicidade ao qual chamamos de ONTOGENÉTICA, a mais importante de todas. Ontogênese nada mais é do que a história de aprendizagem de uma pessoa ao longo de sua vida. Esta aprendizagem inclui as relações, os ambientes, as consequencias de nossas ações, o nosso modo de ser no mundo. No início deste texto ressaltei o quão subjetivo é a felicidade e nisso, importa-nos enfatizar que nós podemos vivenciá-la em qualquer situação que experienciamos, porque a forma como interpretamos o que estamos vivenciando é que modificará nosso sentimento e com isso, podemos “estar” felizes. Lembremos que nossa ação no mundo é o que determina o que sentimos. A felicidade não é algo que chega de repente como mágica e se instala em nosso organismo, mas sim uma busca constante por momentos que nos proporcionem bem estar. Mesmo sem ter condições financeiras, sociais, de saúde, de segurança, etc., podemos encontrar a felicidade naquilo que temos. É necessário sermos criativos para encontrarmos a felicidade até mesmo ao acordar e sentir a luz do dia cotidianamente. Podemos ser felizes fazendo o que é justo e correto. Podemos ser felizes valorizando as únicas pessoas que estão do nosso lado nos momentos em que mais precisamos. Podemos ser felizes em qualquer situação, desde que saibamos encontrar a felicidade em cada momento e a cada conquista que alcançamos.

Ano novo é quando um novo ano civil começa e um novo calendário anual é iniciado. Não precisa esperarmos para o próximo ano para começarmos a buscar a felicidade naquilo que nós temos. Encontre-a desde já! Um ano novo feliz será aquele em que saberemos estar em situações e pessoas produtivas e que nos ensinem o verdadeiro significado da felicidade nas pequenas coisas do dia a dia que muitas vezes passam despercebidas aos nossos olhos. Enquanto não mudarmos nossas atitutes, continuaremos buscando uma falsa felicidade a cada novo ano que se inicia. Feliz ano novo!

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

ROCHA, F. N.; GONÇALVES, S.M.M.; PEREIRA, C.A.A. A representação da felicidade na antiguidade: um diálogo com a psicologia positiva. 2011. Disponível em: http://www.uss.br/pages/revistas/revistamosaico/V2N12011/pdf/005_Representacao_Felicidade_Antiguidade.pdf

CSIKSZENTMIHALYI, M. (1999) A descoberta do fluxo. A psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco.

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov & Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953)

SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. (R. Azzi; Andery, M.A., trads) Campinas: Editorial Psy. (Originalmente publicado em 1989).

SKINNER, B. F. Walden II: uma sociedade do futuro. 2. Ed. São Paulo: EPU, 2009.

4 comentários sobre “Ano novo feliz?

  1. Um texto de magnitude esplendida! só para enfatizar suas palavras: “Lembremos que nossa ação no mundo é o que determina o que sentimos. A felicidade não é algo que chega de repente como mágica e se instala em nosso organismo, mas sim uma busca constante por momentos que nos proporcionem bem estar… Enquanto não mudarmos nossas atitudes, continuaremos buscando uma falsa felicidade a cada novo ano que se inicia.”

  2. Ótima reflexão! Muito pertinente os pontos abordados no texto, são compreensões assim que nos permitem fazer do mundo um lugar melhor.

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