Do diálogo ao ataque: como a polarização nacional contamina os municípios
Nos últimos anos, o Brasil mergulhou em um cenário de polarização política extrema. A disputa nacional entre Lula e Bolsonaro deixou de ser apenas ideológica para se transformar em algo quase bélico. E esse modelo de enfrentamento — sem espaço para diálogo ou moderação — passou a ser copiado em larga escala nos municípios, com consequências diretas para a convivência social e para a liberdade de escolha do cidadão comum.
Hoje, nos rincões mais distantes do país, é possível enxergar ecos dessa radicalização. Grupos políticos locais agem como se estivessem em guerra. Inspirados não apenas na disputa ideológica brasileira, mas também em conflitos internacionais simbólicos como o embate entre Donald Trump e o ministro Alexandre de Moraes — onde acusações de autoritarismo, censura e ameaça à democracia são jogadas de lado a lado —, muitos líderes locais passaram a tratar a política como uma guerra de narrativas. Um território a ser dominado, onde o “outro” é sempre inimigo.
Na cabeça de alguns políticos municipais, não há adversários — há inimigos a serem destruídos. Não há debate — há trincheiras. Não há espaço para neutralidade — todo silêncio é interpretado como apoio ao “outro lado”. E elogiar qualquer ação de alguém que não pertença ao grupo dominante é o suficiente para ser acusado de traição.
Essa lógica perversa prejudica diretamente a população. Ao invés de uma democracia viva, onde as pessoas podem reconhecer méritos e criticar erros com equilíbrio, o que se vê é uma guerra fria local, em que todo gesto é vigiado, interpretado e, muitas vezes, punido moralmente. Pessoas são colocadas umas contra as outras por suas preferências eleitorais. E a política, que deveria ser instrumento de transformação social, vira um instrumento de controle, medo e manipulação.
Como numa guerra, quem está no poder tenta manter o território a qualquer custo. As alianças não se baseiam em projetos, mas em conveniências. E quem se recusa a tomar partido vira alvo — isolado, caluniado ou cancelado.
Mas é preciso romper com esse ciclo. A política municipal não pode continuar sendo uma reprodução caricata dos grandes conflitos nacionais ou internacionais. Estamos falando de cidades, de comunidades, de vidas reais que dependem de políticas públicas eficazes, e não de disputas passionais e destrutivas.
É hora de desmilitarizar a política local, de tirar o fardamento ideológico das relações comunitárias e de restabelecer o que há de mais básico na convivência democrática: a possibilidade de pensar diferente sem ser atacado.
Porque no fim das contas, quem lucra com a política como guerra são os mesmos de sempre: os que transformam o poder em fim, e não em meio. E quem perde, é o povo — que continua sendo usado como escudo, massa de manobra e linha de frente em batalhas que, muitas vezes, não são suas.
E é nesse cenário que se destacam três tipos de pessoas: os de valor, os de preço e os que não se vendem.
São esses últimos — firmes, silenciosos e convictos — que ainda mantêm de pé a esperança de uma política decente, feita com consciência, e não com barganha.