Mortes de adolescentes crescem no país impulsionadas por ação policial
A taxa de adolescentes mortos em ações policiais no Brasil cresceu 15,7% em 2024, em comparação com o ano anterior, de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira (24/7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). No período analisado, foram 2,3 menores de idade entre 12 e 17 anos mortos pela polícia a cada 100 mil habitantes no país.
As mortes decorrentes de intervenção policial representaram 19,2% de todas as mortes violentas intencionais (MVI) envolvendo adolescentes. Contrariando a tendência nacional de queda nas MVIs, a taxa entre os adolescentes cresceu 4,2%. Enquanto isso, em 2023, as mortes provocadas pela polícia representavam 16,6% das MVIs. O aumento de um ano para o outro foi de 15,7%, mostra o levantamento.
“Esse avanço foi impulsionado, sobretudo, pelas mortes decorrentes de intervenção policial. Em 2023, as MDIP correspondiam a 16,6% das MVI de adolescentes (12-17 anos). Em 2024, o percentual foi de 19,2%, um aumento de 15,7%”, diz o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, levantamento realizado desde 2007 pelo FBSP a partir de dados e indicadores oficiais de todos os estados brasileiros.
Em várias ocorrências, em diferentes regiões do país, a história contada por testemunhas e familiares das vítimas contraria a versão apresentada pelos policiais para justificar os disparos de arma de fogo. É o caso do menino Gicélio de Sousa Filho (foto em destaque), de 15 anos, morto na noite de 26 de junho, no Morro do São Bento, em Santos, litoral de São Paulo.
O garoto havia acabado de sair da aula, às 23h, na Escola Estadual João Octávio dos Santos, como mostra uma declaração assinada pela vice-diretora da unidade. Antes de chegar em casa, teria parado em um bar para comprar refrigerante, quando foi baleado pela PM. Com ele, foi encontrado um caderno com anotações escolares, que acabou manchado de sangue. A PM diz que ele estava armado.
“Eu ficava ligando para ele e ele não atendia. Foi quando falaram que estava cheio de polícia. Aí falaram que era meu filho, que ele já estava morto e tinha sido levado para a Santa Casa. Não deixaram eu entrar, me expulsaram”, disse Sonia Regina, mãe de Gicélio, em novembro do ano passado.
Mortes violentas em queda
- Em 2024, o Brasil registrou 44.127 mortes violentas intencionais (MVI), com taxa de 20,8 por grupo de 100 mil habitantes.
- O número representa uma redução de 5,4% em relação ao ano anterior, quando a taxa foi de 21,9 por 100 mil. Essa é a menor taxa de MVI desde 2012.
- A região Nordeste lidera o ranking, com 33,8 mortes por 100 mil habitantes, seguida pela região Norte, com taxa de 27,7. Na sequência vêm respectivamente, Centro-Oeste, com 19,5; Sul, com 14,6; e Sudeste, com 13,3.
- Entre os estados, o Amapá aparece em primeiro lugar, com taxa de 45,1 mortes a cada 100 mil habitantes; seguido por Bahia, com 40,6; e Pernambuco, com 36,2. Enquanto isso, São Paulo tem a menor taxa do país, com 8,2 a cada 100 mil.
Em 10 cidades citadas no anuário, o número de mortes decorrente de intervenção policial (MDIPs) representou mais de 50% do total de mortes violentas intencionais. É o caso de Itabaiana, em Sergipe, que teve 75,6% dos homicídios provocados pela polícia.
Também é o caso de Santos e São Vicente, ambas no litoral de São Paulo, onde as MDIPs corresponderam a 66,1% de todas as mortes violentas. As cidades foram palco da operação policial mais letal da história do estado desde o massacre do Carandiru: a Operação Verão.
Entre o fim de janeiro e o fim de março de 2024, pelo menos 66 pessoas foram mortas pela polícia militar na Baixada Santista.
Página manchada de sangue
Sonia Regina, mãe de Gicélio, continua tentando preservar o quarto do filho. Orgulhosa, ela exibiu à reportagem o álbum de formatura do garoto, que havia acabado de chegar. “Ele era um menino estudioso, alegre. Ele estava sempre sorrindo”, disse a mãe. “Na vida, era só eu e ele. Ele era meu companheiro, meu amigo, meu irmão, meu pai. Ele era tudo para mim.”