Lourdes Monteiro: Lição de vida e filantropia em Palmeira dos Índios
No auge dos 91 anos, a professora aposentada e filantropa Lourdes Monteiro tornou-se uma das figuras que marcaram seu nome na história de Palmeira dos índios. Nasceu em família simples na Serra dos Macacos da “Princesa do Sertão”. Apesar de começar tarde nos estudos, dedicou sua vida à educação, em especial ao tempo em que se dedicou ao Colégio Diocesano Sagrada Família, que ajudou a fundar.
No entanto, sua vida ficou marcada pelo trabalho desenvolvido junto a crianças carentes na instituição que criou, a Fundação de Amparo ao Menor (Fundanor). Altiva, simpática e dona das palavras, dona Lourdes Monteiro lembra como se fosse ontem como tudo começou. E o passar dos dias comprovou, de acordo com ela e sua crença, como Deus pode agir.
Ainda tentava se acostumar à vida de aposentada, quando percebeu que alguns meninos usavam sua água pulando o muro da sua residência. Aos risos, ela conta num dia escondeu-se em casa e flagrou dois meninos abrindo o portão para as traquinagens que se habituaram a fazer.
Após o desabafo, disse que os meninos, aparentemente humildes, deveriam estar em casa juntando. Foi quando um deles respondeu “como? sem ter…”, lembrou. “Aquilo me abalou. Eu, catequista, ouvir aquilo?”, pois ela ainda pensou em explicar a importância da refeição para a união da família, da forma como foi educada.
“Fiquei perdida. Chamei os dois para tomarem uma sopa de feijão. Um deles entrou e o outro só teve coragem de entrar depois. Tinham cerca de oito anos. O que entrou primeiro não sabia nem o próprio nome, apenas o apelido. O nome quem sabe é mãe, disse o menino que também não sabia os nomes dos irmãos. Aquilo foi outro abalo para mim”, relatou emocionada.
O menino que entrou depois, o mais acanhado, disse depois que seu “nome” era Pinga-Fogo. Outro choque para dona Lourdes. Os dois vieram a se tornar os primeiros de muitos que passaram a frequentar a casa da aposentada. “Quando terminaram, perguntaram se poderiam voltar no dia seguinte e eu disse que sim, mas não trouxessem mais ninguém. Engano, pois no outro dia vieram quatro, depois oito, 20, 25, 30… Encheu a casa. Eu só pensava: Deus quer que eu faça alguma coisa com esses meninos, só pensava isso”, lembrou.
Esse grupo de meninos frequentou a casa da aposentada durante quatro anos seguidos e só depois “foi aparecendo gente para ajudar”, disse. Ela teve que reformar um quarto da casa para que os meninos guardassem suas coisas quando estavam lá estudando e aprendendo o que era, de fato, a vida.
Mais algum tempo passou, até que decidiu criar a Fundanor. As doações começaram a chegar, inclusive de fora do país, pois sua iniciativa ultrapassou, até hoje não sabe como, as fronteiras do Brasil. Diversos missionários e até políticos do Canadá foram conhecer e ajudar o projeto que passou a funcionar até hoje numa chácara de 12 hectares que chegou a abrigar 150 meninos todos os dias, alguns moravam no local.
As palavras de dona Lourdes são confirmadas com as centenas de fotos que ainda mantém guardadas em sua casa. Nos retratos da Fundanor, as viagens, os momentos, os tijolos, os ideais, o sonho transformado em realidade. Graças a sua visão filantrópica foi “levada”, como diz, ao Canadá onde recebeu homenagens, entre elas a encenação de uma peça contando sua história.
Ela orgulha-se ao afirmar que muitos dos meninos assistidos pela Fundanor, antes com poucas perspectivas, hoje são profissionais bem sucedidos. No entanto, afastada da fundação há alguns anos por decisão própria, como frisou, guarda algumas mágoas. “Disseram que eu roubei dinheiro, depois que estava velha e nisso fiquei até completar 80 anos, sendo 27 anos à frente da fundação. Não me arrependi de sair. Hoje está tudo diferente lá, pelo que sei”, desabafou.
Recordações à parte, dona Lourdes Monteiro prefere guardar os bons momentos, as boas lembranças. “Só tenho a agradecer primeiramente a Deus. Sem a ajuda divina a gente não dá um passo. Quando comecei, não lembrei que precisava de dinheiro, embora tenha comprado até pão fiado para alimentar os meninos. O que tenho de riqueza é o povo de Palmeira dos Índios. Não fui condenada, nem julgada, apenas ajudada”, afirmou.
Hoje, com sentimento de dever cumprido e de gratidão, deixa como mensagem e lição que “procurem fazer o bem sem olhar a quem, sem se importar com quem. Quando eu fazia o catecismo, pensava que estava fazendo o bem, mas não fazia nada. Precisou chegar um menino para me mostrar que eu estava errada. Um menino me ensinou muita coisa e Deus aproveitou tudo. Através deles, eu passei a ser conhecida em todo lugar. Isso é vida. Isso é viver”, finalizou a professora das professoras, como desejava sua mãe.