Estádios alemães têm creche, narração para cegos e ficam lotados

Assim como o Brasil, a Alemanha tinha, antes da realização da Copa do Mundo, um conjunto antigo de rústicos estádios – muitos deles construídos nos anos 1950 – com pouco conforto para os seus torcedores.

Nos anos anteriores à Copa de 2006, todos os estádios passaram por grandes reformas para se modernizar. A capacidade de muitos deles aumentou, e com isso a Bundesliga (o campeonato alemão) assistiu também a um salto na média de público – de 33 mil, em 2001/2002, para 45 mil na temporada 2011/2012. A média atual da Bundesliga é quase três vezes maior que a do Campeonato Brasileiro.

O principal foco foi privilegiar a experiência dos torcedores, com melhores acessos, cadeiras e opções de alimentação. Alguns estádios viraram referência na Europa, como o Veltins Arena, do Schalke 04, feito antes da Copa e concluído em 2001. Ele foi realizado totalmente com recursos privados e já chegou a ser considerado informalmente um “seis estrelas” pela Uefa – cujo ranking máximo só vai até cinco estrelas.

Creche. Foto: BBC

A BBC Brasil visitou um dos estádios que mais se modernizou para a Copa, o do Hannover 96. O antigo Niedersachsenstadion foi praticamente colocado abaixo dando lugar à HDI-Arena. O time continuou jogando lá, mesmo durante as obras. Uma das determinações da diretoria do clube, antes das obras, era de que a reforma do estádio não poderia ultrapassar seu orçamento – de 69 milhões de euros (cerca de R$ 210 milhões).

O porta-voz do clube conta que, com o estádio novo, o Hannover 96 conseguiu agradar sua base fiel de torcedores e ainda assim atrair novos clientes, como famílias e empresários.

Outro aspecto fundamental para o clube – e para o campeonato alemão – é que o futebol não se elitizou nos preços. Ainda é possível pagar pouco pelos ingressos – em um jogo contra clubes de ponta, como o Bayern de Munique, há entradas vendidas a 15 euros (cerca de R$ 45).

Caro para os ricos; barato para os demais

Camarote VIP. Foto: BBC

Um dos segredos dos baixos preços do Campeonato Alemão são os camarotes VIP, que eram modestos antes da Copa do Mundo, e foram reformados e ampliados em quase todos os estádios.

Hoje, uma das laterais da HDI-Arena possui 29 áreas VIP, vendidas em pacotes anuais para clientes corporativos. O preço varia de 45 mil euros a 90 mil euros (de R$ 140 mil a R$ 280) – com contrato mínimo é de três anos.

Antes de renovar seu estádio, o Hannover 96 fez um estudo sobre o mercado de clientes privados da cidade e chegou à conclusão que 29 era o número ideal de camarotes VIP para atender a demanda da cidade. Mais que isso faria com que alguns camarotes pudessem ficar abandonados, e a intenção do clube é sempre ter 100% de sua capacidade ocupada.

Em cidades maiores, como Munique e Dortmund, os estádios chegam a ter mais de 100 camarotes VIPs, com preços bem maiores.

Os camarotes VIP e os direitos de televisão respondem por 75% das receitas do clube. Com isso, o dinheiro da bilheteria não é decisivo nas contas do clube, e é possível cobrar ingressos baratos. Um pacote de dois assentos – para um adulto e uma criança – sai por 29 euros (R$ 90).

“Para nós, não é tão importante ganhar um euro a mais em cada ingresso, mas sim possuir um bom departamento de merchandising e marketing. E também se você joga um bom futebol, o dinheiro da televisão é maior”, diz Dirk Köster, porta-voz do clube.

A fórmula tem dado certo para manter a casa cheia. O Hannover 96 não ganha o Campeonato Alemão desde 1954, mas mesmo assim o estádio teve lotação média de 45 mil pessoas nesta temporada. No Brasil, o Cruzeiro – campeão nacional do ano passado – teve média de 17 mil torcedores durante o torneio.

Inclusão

Cegos no estádio. Foto: BBC

Um estádio mais moderno possibilita que o clube possa atender vários tipos de torcedores. O porta-voz do Hannover 96, Dirk Köster, estima que o número de mulheres e crianças que frequentam os jogos aumentou em 20% depois da Copa. Köster diz que mudanças simples durante a reforma – como a instalação de mais banheiros femininos – foram suficientes para atrair mais mulheres.

O marketing do clube passou a trabalhar em função destes novos torcedores, que são tratados como consumidores. Para atrair mais crianças, o clube tem um pacote de aniversário, onde é possível fazer uma festa para convidados durante a partida, nas arquibancadas.

O estádio também conta com uma creche e um restaurante que ficam abertos durante o jogo.

Portadores de deficiência também foram contemplados nas reformas do estádio. A área para 120 cadeirantes fica do lado de um dos bares e dos banheiros, para que eles possam transitar sozinhos. Os ingressos para eles são vendidos a cinco euros (R$ 15), com direito a entrada gratuita para um acompanhante, responsável por empurrar a cadeira.

Corrupção e violência

A construção de estádios para a Copa na Alemanha não ocorreu sem escândalos. O Alianz Arena – palco do jogo de estreia entre Brasil e Croácia em 2006 – foi construído com participação dos dois clubes de Munique – Bayern e 1860 Müenchen.

Em 2005, o presidente do 1860 Karl-Heinz Wildmoser foi condenado a quatro anos de prisão por aceitar uma propina de 280 milhões de euros de uma empreiteira austríaca.

Outro problema do futebol alemão pós-Copa é a violência. Um relatório da polícia apontou que em 2012 foi registrado o maior número de crimes em jogos de futebol nos últimos 12 anos.

O Hannover 96 também investiu em melhorar a experiência de torcedores com problemas de visão. O clube contratou um narrador exclusivamente para atendê-los. Cerca de 20 portadores de deficiência visual costumam “assistir” aos jogos da arquibancada, e ouvem a narração com equipamentos especiais (semelhantes aos usados para tradução simultânea).

Atendendo os fanáticos

O marketing do clube se esforça para atrair novos torcedores, mas o consumidor principal do clube continua sendo o fanático – aquele que não perde nenhum jogo.

Na Alemanha, o perfil deste torcedor é o mesmo há décadas – ele está mais atento a baixos preços do que conforto. Na Alemanha, em particular, esses torcedores preferem até abrir mão dos assentos e assistir às partidas de pé.

Há algumas vantagens para o torcedor nisso: maior capacidade no estádio, clima mais “quente” de pressão ao adversário e preços menores.

Um exemplo é o Borussia Dortmund, que possui um dos maiores estádios da Europa, com capacidade para 80 mil torcedores. Uma das facções mais famosas é a “Parede Amarela”, onde 25 mil pessoas assistem de pé aos jogos da Bundesliga – a maior capacidade na Europa.

No entanto, entidades como Fifa e Uefa não permitem, por questões de segurança, que torcedores fiquem de pé em jogos de seus torneios. A alternativa foi instalar cadeiras dobráveis. No dia anterior a jogos de torneios Fifa e Uefa, funcionários rapidamente instalam todas as cadeiras, com auxílio de uma pequena chave.

Dirk Köster. Foto: BBC

A mesma solução foi adotada pelo Hannover 96 nos jogos nacionais – da Bundesliga e Copa da Alemanha – com sucesso: a área onde a torcida fica de pé é sempre a primeira a ter seus ingressos esgotados. Os preços são fixos: 6 euros para crianças (R$ 18) e 15 euros (R$ 45) para adultos.

Competitivo

Na temporada da Bundesliga que começou logo após a Copa de 2006, nove dos 12 clubes que atuam em estádios da Copa estavam na primeira divisão. A próxima temporada, a de 2014-2015, que começa em agosto, terá apenas oito (os clubes de Hamburgo, Nuremberg, Kaiserslautern e Leipzig estão em divisões inferiores).

Isso ilustra a grande competitividade do futebol alemão: mesmo com estádios padrão-Fifa, e modelos de negócios sólidos, muitos times lutam apenas para ficar no mesmo lugar.

Essa é o desafio para clubes médios como o Hannover 96, que apesar de todo o seu planejamento hoje parece estar ainda distante de lutar por um título.

Quando a BBC Brasil visitou o HDI-Arena, apesar de todos os sucessos nos negócios, o clube enfrentava o Hamburgo na luta contra o rebaixamento.

O Hamburgo – cujo estádio também sediou jogos da Copa – acabou derrotado por 2 a 1 e neste mês foi rebaixado pela primeira vez na sua história.

*BBC Brasil –  Imagens: Albert Steinberger

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