Bastidores do Poder | Quando a mentira vira influência e o jornalismo é quem paga o preço
Por trás das telas iluminadas, likes e vídeos emocionantes, o caso Kell Ferreti expôs o que há de mais perverso na era da influência digital: a transformação da empatia em negócio e da mentira em poder.
Ex-policial militar e influenciador alagoano, Ferreti construiu um império virtual com discursos de solidariedade, rifas “do bem” e causas humanitárias que, na prática, escondiam um esquema milionário de jogos de azar e manipulação emocional. O que parecia caridade, era aposta. O que parecia emoção, era roteiro. E o que parecia sucesso, era crime.
Neste domingo (6), o Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem detalhando o esquema, que movimentou cerca de R$ 33 milhões por meio de rifas e apostas ilegais em Alagoas. A matéria mostrou o alcance da rede de Ferreti e a forma como ele e outros influenciadores usavam a internet para enganar seguidores e lavar dinheiro.
Segundo o Ministério Público de Alagoas, Ferreti e seus aliados movimentaram R$ 33,7 milhões em rifas e sorteios ilegais, fraudando seguidores e explorando a boa-fé de quem acreditava em histórias de superação e ajuda ao próximo. O influenciador, que chegou a faturar R$ 400 mil em um único mês, foi preso em Maceió durante a Operação Trapaça, que revelou a dimensão do golpe digital.
As investigações mostram que nada era espontâneo. As cenas de entrega de doações, os choros em frente à câmera e as histórias de vida exibidas como espetáculo eram parte de uma engrenagem de marketing emocional, cuidadosamente planejada para gerar engajamento, atrair apostadores e lavar a imagem de um negócio ilegal.
A indústria da comoção
Na cultura do engajamento a qualquer custo, a empatia virou produto e a dor, conteúdo. Milhares de pessoas, muitas em situação de vulnerabilidade, foram seduzidas por promessas de prêmios, recompensas ou “mudanças de vida”. Enquanto isso, os lucros cresciam, os patrocínios apareciam e o crime se sofisticava sob o disfarce da popularidade.
Mas o caso Ferreti vai além do escândalo financeiro: ele denuncia uma crise moral. A era digital criou um ambiente onde a visibilidade é confundida com verdade, e onde o número de curtidas vale mais do que o compromisso com os fatos.
E é justamente aí que entra o jornalismo.
O papel do jornalismo e o silêncio dos algoritmos
Enquanto influenciadores moldam narrativas para emocionar, o jornalismo independente é quem enfrenta o desconforto de expor o que realmente está por trás das cortinas do espetáculo digital. Investigar, confrontar e noticiar é muito mais difícil e muito menos lucrativo do que viralizar. Mas é também o que mantém viva a noção de verdade numa sociedade cada vez mais anestesiada pela performance.
Num cenário em que a influência é medida por curtidas e não por credibilidade, o jornalismo resiste como contraponto: não vende ilusões, revela fatos. E é por isso que, muitas vezes, quem mente ganha seguidores, e quem mostra a verdade ganha inimigos.
Influência não é poder é responsabilidade
O caso Kell Ferreti não é apenas uma história policial. É um alerta social. Mostra até onde pode chegar a banalização da empatia e o perigo de transformar a dor humana em palco.
Porque enquanto os holofotes brilham para os influenciadores que enganam, o jornalismo segue na penumbra, sustentando a responsabilidade que muitos abandonaram em troca de likes.
Influenciar é um poder. Mas sem ética, é manipulação.
E quando o like vira moeda, a verdade precisa voltar a valer alguma coisa.