Nove em cada dez brasileiros se automedicam; prática pode prejudicar saúde

 

“Tomei um anti-inflamatório, achando que era tranquilo. Mas ele empolou meu corpo. Minha boca ficou maior, tive uma queimação na perna. A partir disso, não tomo mais anti-inflamatório. Só mesmo quando prescrito, com cautela e quando não tem outra solução”. Este é um resumo da experiência que Marcia Mara Maltez, de 58 anos, teve com um hábito muito comum entre os brasileiros: se automedicar.

Acometidos por males momentâneos, como dores, gripes, viroses e infecções, muitos recorrem a um antimicrobiano ou anti-inflamatório sem antes consultar um médico, ou mesmo um farmacêutico. Uma pesquisa  ICTQ/Datafolha, feita em 2024, aponta que nove em cada dez brasileiros tomam medicamentos sem prescrição profissional. Porém, segundo especialistas, esta prática pode trazer prejuízos à saúde, e até a tratamentos de doenças futuras.

A automedicação pode provocar aumento da resistência dos microorganismos aos remédios. Em 2020, conforme o relatório GLASS, da OMS, pacientes internados de 87 países apresentaram resistência ao tratamento a bactérias que causam infecções na corrente sanguínea. Em mais de 60% dos casos de gonorreia, infecção sexualmente transmissível, o agente causador mostrou resistência ao medicamento oral mais usado.

No mesmo estudo, mais de 20% das infecções de trato urinário se mostraram resistentes aos tratamentos de primeira e segunda linha.

Conscientização e alerta 

Diante dos perigos da automedicação, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) realiza uma campanha para conscientizar a população sobre a prática, tão comum entre os brasileiros. Realizada sempre no dia 5 de maio, considerado o Dia Mundial do Uso Racional de Medicamentos, a ação visa alertar a sociedade para a importância de sempre buscar orientação médica antes de consumir um remédio. O hábito brasileiro de se automedicar também motiva a campanha.

No Brasil, desde a pandemia de covid-19 – iniciada em 2020 – houve aumento substancial na compra de antimicrobianos. Dados do Conselho Federal de Farmácia (CFF) apontam que, em 2020, foram adquiridas 180.791.152 unidades de antibióticos, aumento superior a 9 milhões em relação ao ano anterior – que teve entre março e dezembro 171.104.432 unidades vendidas. Em 2021, as vendas saltaram, para 17.306.022, para atingir o ápice no ano seguinte – 2022 – com 228.349.936 unidades comercializadas.

“Essa influência fica ainda mais clara quando é analisado o crescimento nas vendas de azitromicina, antibiótico que integrou o chamado ‘kit covid’, junto com a hidroxiclorquina, a ivermectina, dexametasona e vitaminas C e D”, afirma o Conselho Regional de Farmácia do Estado de Minas Gerais.

Em 2023, as vendas caíram em relação a 2022 – 219.760.565 registros. Mesmo assim, o Conselho Federal de Farmácia considera que as vendas ainda estão em volume alto. Nos primeiros dois meses de 2024, foram registradas 30.958.127 vendas, uma média mensal de 15.479.063. O ano de 2022, o que mais teve vendas desde 2019, registrou média mensal de 19.029.161.

Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Minas Gerais, Márcia Alfenas defende que a automedicação seja tratada de forma objetiva. A especialista avalia que os farmacêuticos têm um papel fundamental no debate e na prevenção aos males da automedicação.

“Ele é o profissional mais próximo à população, apto a prescrever medicamentos e ajustar doses, contribuindo significativamente para reduzir erros. Sabemos que uma medicação bem orientada, com a compreensão do que é receitado, também tem maior adesão ao tratamento”, pontua.

Juliana Palumbo Almeida, de 49 anos, aprendeu a lição da forma mais complicada. A mulher admite que já tomou vários medicamentos sem prescrição. Foi em 2023, quando tomou um remédio para relaxar a musculatura, que teve resultados que a fizeram abandonar a prática em definitivo.

“Tive uma tonteira muito forte, que demorou a passar. No outro dia, ainda fiquei com essas tonteiras. Me causou muito mal, ao ponto de me desequilibrar quando me levantava. A partir disso, nunca mais tomei medicação por conta própria”, relata.

A campanha deste ano tem como lema ‘O uso responsável protege nosso futuro’. A cor azul foi a escolhida para identificar a ação.

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