Reorientação sexual: Compromisso científico ou subterfúgio para cura gay?

A sexualidade humana sempre foi ponto de interesse de estudos de várias áreas do conhecimento, principalmente de áreas da saúde (Psicologia, Medicina, Enfermagem, etc.). Apesar de ter sido foco de pesquisas durante muitos anos, ainda é um tema que intriga e inquieta muitos pesquisadores e estudiosos; sendo assim, bastante polêmico, pois ao longo dos anos foi visto como tabu em algumas sociedades ou algo que não deveria ser comentado/estudado. Apesar dos avanços obtidos por pesquisas científicas, alguns aspectos da mesma, ainda continuam gerando muita polêmica, dentre eles, a homossexualidade é um dos pontos que gera discordância e desconforto. No último dia 15 de setembro de 2017, o juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar “objetivando a suspensão dos efeitos da resolução 001/1999, a qual estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação as questões relacionadas a orientação sexual”. O que gerou revolta e trouxe novamente o termo “cura gay” à tona. Mas será que realmente o que se pretende é uma cura? Quais as implicações dessa resolução?

Para responder a essas perguntas, é necessário fazermos uma análise do texto da Ata. O pedido de Liminar foi uma proposta de Rozângela Alves de Justino – que teve seu registro cassado pelo CFP em 2009 por oferecer terapias para “reversão” de orientação sexual  argumentando que a resolução é um ato de censura, impedindo que psicólogos “desenvolvam estudos, atendimentos e pesquisas cientificas acerca dos comportamentos e práticas homoeróticas”, constituindo assim, um ato lesivo a ciência do País, por restringir a liberdade de pesquisa cientifica assegurada pela Constituição em seu artigo 5°, IX. (Leia mais)

O que diz, afinal, a resolução 001/1999?

O documento é datado de 22 de março de 1999. Nele, o Conselho Federal de Psicologia considera três pontos principais:

  • que homossexualidade não é doença, distúrbio ou perversão;
  • que na sociedade há “inquietação” em torno de práticas sexuais desviantes;
  • que a psicologia deve contribuir para esclarecer questões na área, permitindo a superação de preconceitos.

Diante disso, determina que os profissionais não exerçam qualquer atividade que transforme a homossexualidade em doença nem adotem posturas para “curar” gays. Além disso, veta que eles se pronunciem sobre o assunto de modo a reforçar preconceitos. Leia mais aqui

Como se pode ver, em nenhum momento é vetado ao Psicólogo Estudos ou pesquisas cientificas relacionadas a homossexualidade, refutando assim a alegação da autora do pedido de liminar. Com isso, houve uma serie de manifestações nas redes sociais, contra e a favor à liminar, mas o ponto principal dessas manifestações, foi o termo “Cura Gay”, que voltou a ser usado, por ambos os lados, sejam em atos pró ou contra a liminar. Onde muitas afirmações é que em nenhum momento a liminar trata a homossexualidade como doença, mas quando paramos para analisar os termos postos, vemos que o caráter implicitamente atribuído a mesma no texto é de algo mutável e que não é normal, já que questiona o caráter de normalidade dado pela norma do CFP para a mesma.

Em trechos do texto, o juiz também afirma que a resolução n° 001/1999 do CFP proíbe o aprofundamento dos estudos científicos relacionados a (re) orientação sexual. Ou seja, com isso, o juiz diz que a resolução impede que pessoas pesquisem sobre os modos de reverter a orientação sexual (atenção ao foco da liminar às pessoas que apresentam comportamentos homoafetivos), o que nos leva a alguns questionamentos. Primeiro, se já foi afirmado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) que a homossexualidade é uma expressão natural da sexualidade humana, porque haveria de existir pesquisas para reverte-la? Segundo, o que haveria para reverter em um homossexual? O que faria o mesmo ir procurar uma terapia de reversão da sua sexualidade?

Várias teorias irão de encontro com a afirmação de que a homossexualidade tem muito mais um peso genético do que ambiental. Neurologistas afirmam que o hipotálamo de um homossexual é menor do que do heterossexual. Outros estudos evidenciam o comportamento homossexual presente em algumas espécies de macacos e outros animais, comportamentos esses com o valor reforçador para estes no meio em que vivem. Pesquisas em biologia comprovam haver uma carga genética da homossexualidade já no DNA do indivíduo. As práticas homossexuais existem desde a mais tenra idade, presente até mesmo em animais. Na história da humanidade a homossexualidade não podia ser expressa de forma pública, uma vez que era concebida como pecaminosa. Sua expressão mantinha-se de forma privada e sigilosa, tendo em vista o machismo e homofobia que assolavam o meio social.

Há 20 anos, Malott (1996) afirmou que a homofobia (LGBTfobia talvez seja um termo mais adequado) é um comportamento social que permeia a cultura e que pode ter sua base em pressupostos religiosos bem estabelecidos dentro dos grupos como também apontaria Skinner (1953) em sua análise das agências controladoras do comportamento, ainda mais se pensarmos nas formas como as agências se mesclam[1 Isso foi dito há 20 anos e tal afirmação poderia ter sido feita há algumas horas.(ALBANEZI, 2017).

Os motivos que levam um homossexual a procurar um serviço deste, não estão ligados a sua orientação sexual de fato, mas sim, as contingências aversivas (eventos negativos) a que o mesmo está exposto por não ser heterossexual e com isso, ir de encontro a uma cultura que está ligada muito fortemente, como já foi citado acima, a agências controladoras, que ditam que ser homossexual é errado ou é pecado, com isso, os relatos verbais e contingenciais que moldam o indivíduo, são extremante aversivos a quem encontra-se nessa condição, levando o mesmo a ter uma serie de comportamentos lesivos ou patológicos, fazendo-os procurar mudar sua orientação em uma fuga desses aversivos presentes no ambiente. Podemos considerar em meio a isso que o homossexual passa por aversivos do tipo: as pessoas evitam contato, as pessoas se afastam, a sociedade trata com indiferença, a comunidade religiosa afirma que o sujeito irá arder no inferno, faltam oportunidades de trabalho, o sujeito é vítima de bullying escolar, entre outros. Em meio a isso, a tendência de buscar um tratamento para reorientação sexual é muito alta, pois o problema do mesmo está no ambiente externo, não nos seus sentimentos, atrações, e desejos pela pessoa do mesmo sexo.

“O indivíduo que nos procura pelos motivos elencados acima teve de aprender com a comunidade verbal (sociedade) e possivelmente por processos de equivalência que ser uma pessoa LGBT é errado, pecaminoso, doentio, sujo, imoral etc., para que hoje ela se descreva como alguém impossível de ser aceito por si mesmo e pela sociedade como alguém normal, como alguém que enfrenta o medo e a ansiedade ocasionados pelos efeitos do preconceito relacionado a essa população. ”(ALBANEZI, 2017).

Desse modo, podemos ver que as implicações da liminar podem trazer novamente o uso de terapias de reversão sexual (terapias essas já comprovado cientificamente que não funcionam). Vimos que os homossexuais que tem o desejo de mudar sua orientação sexual, não o desejam por conta de sua orientação em si, mas sim por um ambiente coercitivo, que pune os comportamentos que apresenta, abrindo brechas assim para pessoas infelizes, ficarem mais infelizes ainda por não obterem um atendimento adequado, sendo moldado a ser o que não é, dando brechas também para que famílias que não aceitam seus filhos, levem os mesmos para tais terapias de reversão, na esperança de que os filhos mudem e deixem de ser “aquilo” que eles, familiares, não desejam que sejam. Na verdade, quando partimos do pressuposto de que o comportamento humano deve ser compreendido de forma funcional, chegamos a conclusão de que essas famílias pouco estão preocupadas com o bem-estar psíquico de seus filhos; preocupam-se com os aversivos sociais que eles mesmos podem sofrer por ter alguém na família que emite comportamento que destoa do padrão familiar. Analisando funcionalmente, iremos compreender ainda que algumas sociedades evoluiram por manter padrões de comportamento que garantiram a sobrevivência da mesma, principalmente quando a família é bastante reforçada por serem modelos a ser seguidos, envolvendo com isso admiração da sociedade, convites sociais para festas tradicionais, pessoas subordinadas a essa família, carreira política, posição social, entre outros.

É sabido que alguns países como Rússia, Uganda, Malásia são favoráveis a terapias de reversão sexual, mas os mesmos tem apresentado maior número de pessoas que problemas de comportamento, uma vez que são submetidos a formas de “tratamento” bastante desumanas, podendo desenvolver transtornos mentais e/ou estarem propensos ao comportamento suicida. O que há na verdade não é uma reorientação, mas o bloqueio de sua expressão sexual, uma vez que quando afloradas, foram punidas. Como exemplo, o psicoterapeuta russo Yan Goland, que relata ter “curado” 78 homossexuais e 8 pessoas trans usando um método desenvolvido na União Soviética por seu mentor, Nikolai Ivanov. Entre os estudos que foram pesquisados, há também relatos de pessoas que passaram por tentativas de reorientação sexual em igrejas. Para ilustrar melhor o que é feito em algumas terapias de reversão sexual, trazemos o caso de Samuel Brinton, que foi submetido à terapia por decisão de seus pais e passou por situações como: amarrarem suas mãos e colocarem gelo enquanto exibiam fotos de homens de mão dadas; da mesma forma, usaram aquecedores pareados com fotos de dois homens juntos e choques junto a exibição de vídeos de pornografia homossexual. Samuel chegou a pensar em cometer suicídio, mas sua mãe o salvou e o mesmo começou a fingir ter sido curado para não mais passar pelo sofrimento ao qual foi submetido na terapia. Saiba mais

Portanto podemos perceber que a liminar traz práticas que não são vedadas ao psicólogo, apoiando-se em um suposto “interesse cientifico” para na verdade abrir brechas para um tratamento, que como já visto, muitas vezes é composto por aversivos (choques, isolamento, medicamentos, entre outros) e que, práticas como essas, experimentadas cientificamente, não tem eficácia em fazer homossexuais se interessar por pessoas do sexo oposto, mas apenas inibe a sexualidade, fazendo com que por meio de aversivos (choques, gelo, etc.) apresentados em relação aos desejos sexuais por pessoas do mesmo sexo, consigam inibir a apresentação dos mesmos. Com isso, vemos que a liminar tem mais a trazer prejuízos do que contribuir realmente para as pessoas que estão em condição de sofrimento ligados a fatores sexuais, pois abre brecha para práticas, que com razão já foram proibidas, pois já foi percebido o quanto as mesmas estavam trazendo mais sofrimento do que alívio aos indivíduos a qual destinam-se.

Lima Junior – Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, estagiário na clínica-escola de Psicologia e Analista do Comportamento.

Amanda Oliveira – Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, estagiária na clínica-escola de Psicologia e Analista do Comportamento.

 

 

Referencias:

AGÊNCIA ESTADO, Juiz permite aplicação de terapia de reversão sexual por psicólogos.A decisão atende a pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino. Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2017/09/18/interna_brasil,722975/juiz-permite-aplicacao-de-terapia-de-reversao-sexual-por-psicologos.shtml> Acesso em: 27 de setembro 2017 às 21:15 horas.

ALBANEZI, Renan Miguel.Afinal, o que há para se “curar” num gay?Disponível em: <http://www.comportese.com/2017/01/afinal-o-que-ha-para-se-curar-num-gay>Acesso em: 25 de setembro de 2017.

BETIM, FELIPE. ‘Cura gay’: o que de fato disse o juiz que causou uma onda de indignação.Juiz Waldemar Cláudio de Carvalho abre brecha para que psicólogos ofereçam tratamento. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/politica/1505853454_712122.html> Acessado em: 27 de setembro de 2017 às 20:08 horas.

BRASIL, BBC. De proibição da ‘cura gay’ a exorcismo: como diferentes países veem a terapia de reversão sexual. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/de-probicao-da-cura-gay-a-exorcismo-como-diferentes-paises-veem-a-terapia-de-reversao-sexual,87a71480b6fe02747b91b9f988707c4dl9tpoerp.html>. Acessado em: 22 de setembro de 2017 às 20:00 horas.

SKINNER, B.F. (1978). O comportamento verbal. Tradução organizada por M.P. Villa lobos. São Paulo: Editora Cultrix. (trabalho original publicado em 1957).

SKINNER, B.F. (1978). O comportamento verbal. Tradução organizada por M.P. Villa lobos. São Paulo: Editora Cultrix. (trabalho original publicado em 1957).

3 comentários sobre “Reorientação sexual: Compromisso científico ou subterfúgio para cura gay?

  1. Assunto para amplo debate. No entanto, há outros assuntos para serem discutidos em sociedade. Estamos diante de violência nas escolas, abuso sexual em crianças e adolescentes, vídeos eróticos com crianças, ou seja, homem nu fazendo arte e pouco se discute os momentos difíceis que nós estamos passando. Enquanto isso se evidencia a questão gay, cura e tudo mais. Esse assunto é complexo, porém, do meu ponto de vista, é opção de cada um, não vejo como doença e sim como vontade própria de se manifestar em sociedade sua vontade de ser o que quer. Então se a sociedade é opressora, porque não aceita o homossexualismo, é o direito que toda pessoa tem, não discriminar, mas há que considerar que estamos diante de um impasse muito grande de inversão de valores, as famílias já não sabe como orientar seus filhos. É polêmico, mas cada pessoa com seu modo de pensar. Que passemos a respeitar posição de todos, pois a questão gay no Brasil está sendo prioridade, esquecendo que devemos pensar em coisas mais sérias que diz respeito às famílias, ao respeito e a boa convivência em sociedade. Em suma, cada um (a) assuma o que achar melhor para sua vida, afinal, a ciência ainda não se posicionou são apenas pesquisas científicas de seguidores adeptos as causas dessa natureza. Cabendo ao profissional da psicologia, atuar de forma prática sem muita polêmica, apenas fazer aquilo que lhe é consciente em sua prática profissional. Mas se não é doença, é claro que é opção pessoal.

  2. ótimo texto, nos faz abrir os olhos e perceber que a questão é bem mais ampla. O problema é ser homossexual ou ser homossexual e uma sociedade repressora?
    Interessante também notar a importância de observar o ambiente/sociedade/grupos que estamos inseridos, pois eles que ditam nossas formas de agir e pensar mesmo sendo prejudicial a um individuo como ocorre nos casos de discriminação seja ela qual for.

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