SÍNDROME DE OTELO: O CIÚME DOENTIO

“Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões e fazem com que as suspeitas pareçam verdades” (Miguel Cervantes, 1547-1616).

A citação acima demonstra comportamentos característicos de pessoas que emitem respostas de insegurança frente à pessoa com quem está se relacionando. Um comportamento comum, presente desde nossos ancestrais e reconhecido como indicativo de amor pelo outro. Marcante em romances e filmes, presente na literatura e nas mais diversas teorias do comportamento humano: o ciúme. Este sentimento deve ser analisado como um comportamento, sob contingências de reforço e punição presentes do ambiente do casal. São respostas que causam sofrimento ao enciumado, deixando-o desmotivado a emitir comportamentos mais assertivos em prol da sua relação. Quando o ciúme passa a ser excessivo? Explicações neurobiológicas assemelham o ciúme à dependência química, pois atuam na mesma área cerebral. Por fim, analisaremos como melhorar nossa relação de casal para evitarmos o fortalecimento desses padrões de comportamento-problema.

É bastante comum as pessoas associarem ciúme ao amor, como se andassem de mãos dadas. Espera-se do outro(a) uma demonstração de ciúme para se validar que o afeto é recíproco, por exemplo. Sentimento é um tipo de ação sensorial, assim como o ver e o ouvir, as respostas verbais que denominam os sentimentos são produto de contingências especiais de reforçamento. A análise experimental do comportamento favorece o entendimento e o esclarecimento na compreensão do ciúme por esclarecer os papéis dos ambientes passado e presente. (SKINNER, 1989). O ciúme aparecerá sempre que uma ameaça está presente no ambiente. Para nos sentirmos ameaçados, basta acharmos que os outros estímulos são mais interessantes que nós, deixando-nos inseguros quanto a rejeição de nosso(a) parceiro (a). Geralmente a valorização do ciúme que parte dos que estão em volta do enciumado fortalecem o padrão comportamental de emitir comportamentos que demonstram afeto e proteção ao objeto de desejo. À isso, dá-se o nome de armadilha de reforçamento, onde demonstração de ciúme é reforçada com frases do tipo “que lindo você enciumado”, “eu adoro seu ciúme bobo” ou “isso demonstra que você gosta muito de mim”. Frases como essas aumentam a probabilidade de, em situações de extrema ameaça de perda, o enciumado se comportar de modo cada vez mais doentio atrapalhando a própria vida e a do outro.

Em casos extremos de ciúme, é possível notar a emissão de comportamentos como verificação da carteira do(a) parceiro (a), checagem no telefone, e-mails e mensagens, vasculhar bolsos, contratar detetives, incômodo com a distância, por pouco tempo que seja, bem como indagação constante sobre por que, onde, e com quem o parceiro esteve. As pessoas ciumentas, na verdade deixam claro um repertório empobrecido de comportamentos que possam fortalecer a relação. Depositam unicamente no outro a fonte de manutenção do relacionamento e pouco fazem para que o outro aumente o desejo de estar junto. Relacionamento requer manutenção constante de um ambiente fortalecedor. Pessoas que tem ciúme extremo não sabem como “prender” o parceiro de uma forma mais natural e voluntária.

O problema passa a ser diagnosticado como “síndrome de Otélo”quando um padrão de comportamento destrutivo e persecutório está sendo emitido em um grande número de vezes, atrapalhando a rotina normal cotidiana desta pessoa, causando sofrimento e estado de tensão constante pensando na pessoa amada. O nome é inspirado na obra “Otelo”, de Veneza, o qual é principal personagem do romance de Willian Shakespeare. Conforme este romance, ele era um homem perdidamente apaixonado por sua esposa, Desdêmona, e que convencido de sua infidelidade, acaba cometendo homicídio contra ela, mas só depois ele descobriu sua inocência. Este tipo de comportamento sofre influências da comunidade verbal da pessoa ciumenta, geralmente com comentários que reforçam a ideia de infidelidade do parceiro(a); semelhante a Yago, que na obra de Shakespeare ajudou no convencimento de Otelo sobre a infidelidade de Desdêmona.

Pessoas com síndrome de Otelo sofrem de um delírio de que seus parceiros são infiéis. Delírio pode ser classificado como crenças irreais que o sujeito passa a relatar, sendo inconiventes com a realidade, por exemplo, uma pessoa com delírio persecutório, relata que o tempo todo alguém está lhe perseguindo ou lhe observando, quando na realidade isso não é comprovado. David Buss é referência no assunto, pois estudou a perspectiva evolucionista do ciúme, e realizou pesquisas em 37 culturas verificando comportamentos masculinos e femininos em relação à sexualidade. Em termos de filogênese, o ciúme teria surgido conforme David Buss (2000), “para solucionar” um problema recorrente de sobrevivência e reprodução: a ameaça real da traição.

Analisar o ciúme em termos neurobiológicos nos proporciona conhecer uma área específica do nosso cérebro relacionada a este comportamento: o núcleo accumbens. A mesma região responsável pela dependência de drogas nas pessoas viciadas. Conforme esse sistema há uma motivação pela busca e proteção de nosso objeto de desejo. O neurotransmissor dopamina é a principal substância química a qual controla esse núcleo. Para entender melhor, a dopamina está envolvida com a sensação de prazer que as pessoas sentem. O uso de drogas aciona essa substância em nosso cérebro e faz o mesmo produzir altas taxas desse neurotransmissor, causando no dependente químico a sensação de prazer absoluto quando em contato com a droga. Outra substância bastante presente é a ocitocina, a qual é bastante produzida quando estamos próximos da pessoa amada, aumentando a produção de dopamina do núcleo accumbens. “A hipótese neurobiológica principal para o ciúme é que as pessoas muito ciumentas são muito mais sensíveis à estimulação da ocitocina”, que, quando distante da pessoa amada, entra numa “abstinência amorosa” aumentando o grau de ciúme sentido.

Contudo, faz-se necessário que pessoas “ciumentas” encontrem em si mesmas estímulos reforçadores que aumentam o desejo da pessoa amada por elas mesmas. É importante refletir: “Quais os motivos que fazem o outro gostar de mim?” Esta reflexão é capaz de despertar a “auto discriminação”, termo utilizado para se referir ao comportamento de se auto observar e avaliar nossa atuação no ambiente em que estamos inseridos. “Amor” não se implora! O comportamento de vinculação é natural e como tal deve ser emitido. Perseguir o outro não nos favorece enquanto repertório comportamental que proporcione formas mais naturais de despertar o desejo em mim. Busque um psicólogo analista do comportamento para trabalhar seu ciúme aumentando sua segurança e autoestima em prol de uma melhor adaptação ao apego/desapego aos outros.

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

ALMEIRA, T.; ROVERI, P.M. Ciúme: o inferno do amor possessivo-Uma análise sob a perspectiva da tríplice contingência, São Paulo, 2008. Disponível em:<http://www.thiagodealmeida.com.br/site/files/pdf/ciume_o_inferno_do_amor_possessivo.pdf>

BAUM, W. M. (2006). Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed.

BUSS, M. D. (2000). A paixão perigosa. Rio de Janeiro: Objetiva.

SKINNER, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov&Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953)

 

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