Meu filho gosta de boneca. E agora?

1Não menos frequente, venho presenciando cenas que, embora discorde da maneira como é corrigida, me parece ter grande importância cultural e merece uma ampla discussão a fim de desmistificar algumas ideias que paira sob os “desprovidos de conhecimento”.

Há dois anos, a revista “Nova Escola” fez uma reportagem interessante sobre Alex. Garoto de oito anos, do Rio de Janeiro, morto com o fígado dilacerado após sucessivas surras que levou do pai para que “tomasse jeito de homem”. Alex gostava de brincadeiras femininas e isto incomodava seu pai. Infelizmente, este fato não difere de muitos outros que ainda acontecem em outras regiões com bastante peso machista e ignorante (Vários são os motivos que reforçam esta comunidade). Quantos “pai de Alex” existem por ai?

Vamos lançar luz à questão: o menino prefere brincar de boneca, de casinha e se veste como menina, a menina prefere os carrinhos, a bola e os jogos de montar. Assusta? Levando em consideração que a cultura está ligada ao processo de aprendizagem que se dá mediante um determinado grupo social que possui valores e concepções específicos, digamos que estes comportamentos são inaceitáveis para a maioria das pessoas, porque nossa cultura machista afirma ser anormal tal comportamento e o mesmo leva a uma orientação sexual podendo gerar um adulto com orientação homossexual. Ideias como esta partem de militantes que levantam a bandeira do heterocentrismo. Com base em quê esse discurso se sustenta? Afirmar que tais brincadeiras levam o sujeito a aflorar orientação sexual, é ser conivente com o discurso de que a sexualidade é produto do sujeito e sua relação com o meio, excluindo definitivamente sua gênese, e por que não dizer filogênese?!

Várias teorias irão de encontro com a afirmação de que a homossexualidade tem muito mais um peso genético do que ambiental. Neurologistas afirmam que o hipotálamo de um homossexual é menor do que do heterossexual. Outros estudos evidenciam o comportamento homossexual presente em algumas espécies de macacos e outros animais, comportamentos esses com o valor reforçador para estes animais no meio em que vivem; mas não vou me deter a isso. Falar da homossexualidade sob as diferentes óticas da ciência seria muito amplo e, aqui, meu foco são essas crianças que inocentemente querem apenas brincar.  

A teoria de Skinner (1969) afirma que o organismo vai formatando padrões de comportamento a partir das circunstâncias ambientais. Nesse sentido, ele não afirma ser a sexualidade adquirida no ambiente, mas sim, repertórios comportamentais. Isso também implica dizer que mesmo tendo pré disposição para agir como macho protegendo suas fêmeas no meio, ele ainda não desenvolveu tal comportamento.  A partir daí começamos a entender funcionalmente tal situação… A criança desde seu nascimento está rodeada por figuras femininas (mãe, babá, faxineira, professora), as quais, consequentemente tornam-se seu modelo comportamental, sendo referência de como perceber e agir no mundo; em outras palavras, estar exposto em um ambiente feminino resulta em uma grande tendência de a criança se aproximar de certos padrões comportamentais do universo feminino, além do mais, esta criança foi reforçada enquanto brincava (mesmo que por prazer ao lúdico). Esteve mais em casa do que na rua interagindo com outros colegas, a figura paterna foi ausente. Isso ainda não significa dizer que ele será homossexual. Grandes personalidades neste país exercem papéis que culturalmente são femininos, entretanto continuam sendo heterossexuais.

Enquanto brinca, a criança está se apropriando das ferramentas do mundo adulto, conhecendo sua utilização e pondo em prática o que sabe fazer proveniente do que percebe entre os que lhe rodeiam, com isso, tendem a brincar com os diversos tipos de brinquedos, não existindo, assim, barreira entre o mundo feminino e masculino, as quais são impostas pela cultura que delimitam papéis de mulher e de homem. (Nos últimos 30 anos esse quadro tem mudado. Mulheres estão cada vez mais no mercado de trabalho, enquanto maridos estão mais dedicados a educação dos filhos)

Portanto, proibir a criança daquilo que gosta de brincar, sem mostrar-lhe algo como segunda alternativa, é contribuir para a promoção de um ambiente repressor capaz de gerar repertórios comportamentais não benéficos para sua saúde mental. O correto nessas situações é promover um ambiente onde a presença masculina esteja servindo de modelo para o sujeito, convidando-o a participar de atividades de cunho masculino, à priori, reforçando estes comportamentos. É necessário que a criança perceba uma valorização em certos comportamentos, aderindo habilidades para se comportar no mundo adulto. No mais, orientação sexual não é gerada por essas brincadeiras infantis, mas infelizmente/felizmente, vivemos numa cultura onde são atribuídos papéis de comportamento de acordo com o gênero, embora filogeneticamente muitos já foram constituídos desde nossos ancestrais.

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov & Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953)

PROBST, E. R. A evolução da mulher no mercado de trabalho. Disponível em: http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-05.pdf

 

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