A culpa é dos outros?

Certa vez conversando com algumas pessoas sobre suas queixas de vida, cheguei a conclusão de que algo elas tinham em comum. Por mais diferentes que fossem os problemas de suas vidas, recheados com inabilidades comportamentais para lidar com  alguns eventos e sempre querendo estarem cobertos de razão sobre as relações “lógicas” que elas mesmas construíam sobre suas vidas; elas tinham em comum algo no mínimo estranho, para qualquer um que desprendesse um pouco de tempo para ouvi-las. Essas pessoas estavam o tempo todo culpando as pessoas pelos insucessos de suas vidas. Isso mesmo. As situações de vida as quais estavam expostas, que mostravam o quão problemáticas essas pessoas são, eram repletas de culpabilizações de terceiros; quando não atribuía aos outros a culpa, atribuíam ao “destino”, ao “além”, como se a vida que levam fosse determinada por outras pessoas, deixando-as passivas na responsabilidade pelo curso da mesma.

Vejamos um exemplo claro disso: Na estória de chapeuzinho vermelho, a personagem leva uma cesta com produtos alimentícios para sua vó, só que consciente que um estímulo aversivo (lobo mau) poderia surgir durante seu trajeto. A música infantil inicia com essas estrofes “pela estrada a fora, eu vou bem sozinha levar esses doces para a vovozinha. A estrada é longa, o caminho é deserto e o lobo mau passeia aqui por perto”. Quais possíveis análises funcionais poderíamos fazer baseadas na história da chapeuzinho conforme o  tema deste texto? Ter os doces na cesta pode ser entendido como estímulo antecedente para o comportamento de ir a casa de sua avó, a consequência reforçadora positiva seria receber carinho da sua avó. Poderíamos traçar ainda outras perspectivas de análises se considerássemos a motivação (operação estabelecedora) para presentear a avó, a qual poderia ser privação da mesma, ou seja saudades por passar um tempo sem vê-la. Teria chapeuzinho culpa da aparição do lobo mau naquela estrada deserta? De longe, responderíamos que não, mas analisando a história mais de perto o ambiente não se mostrava favorável para o trajeto da criança, visto que poderia ser presa fácil do animal. a)Caminhar sozinha, b)estrada deserta, c)caminho longo são sinalizações de contingências aversivas para o comportamento da personagem. Chamamos de contingências aversivas, eventos que ameaçam nossa sobrevivência. O mesmo acontece quando estamos transitando com objetos de valor por um local onde o número de assaltos é extremamente alto ou quando mesmo sabendo da periculosidade de determinado brinquedo no parque de diversões, decidimos encará-lo arriscando a própria vida. As pessoas vivem culpando os políticos pela forma desgovernada em que a política se estrutura atualmente, se isentando da sua contribuição nisso. As pessoas costumam culpar os outros pela discriminação racial que existe no país, mas são as primeiras a estranhar quando um negro médico as atendem na unidade de emergência. Estes comportamentos, embora podem ser analisados separadamente considerando as variáveis envolvidas são a ponta do iceberg para adentrarmos na problemática que nasce das relações interpessoais. A parcela de culpa que normalmente atribuímos aos outros como responsáveis por nosso comportamento corresponde a muito pouco do que devemos nos responsabilizar por eles.

Lucas, por exemplo, se queixa que sempre se relaciona com mulheres que o traem e diz que já se acostumou com isso pois se considera “azarento” no amor. As contingências responsáveis pelas traições das mulheres de Lucas, devem ser analisadas como qualquer outro comportamento levando em consideração o ambiente de namoro que eles mantém. A “culpa” não pode ser atribuída ao destino como se sua vida tivesse direções que fogem de seu controle, pelo contrário, a inabilidade de Lucas para manter uma relação, considerando sua falta de carinho, pessimismo, desejar que paguem suas contas, ser desatento, esquecer compromissos, ver a namorada como uma mãe e preferir ficar na televisão o dia todo desmotivado para trabalhar são comportamentos que não contribuem para uma relação duradoura e fiel com a namorada. Os comportamentos que emitimos passam a ser “disfuncionais” quando não trazem benefícios a longo prazo para o sujeito. Nesse sentido, as pessoas passam a ser responsáveis pelas consequências dos comportamentos que emitem. Eis uma ferramenta exclusiva do analista do comportamento: modificar a forma como agimos no mundo para termos consequências fortalecedoras baseadas no comportamento que emitimos. O ambiente a nossa volta acaba sendo um reflexo de nossas ações no mundo. Não adianta querer ser tratada com respeito, por exemplo, se não nos comportamos de modo a obtê-lo. A “culpa” do mal comportamento de nosso filho, quando este é frustrado na escola, não deve ser da professora que o frustrou, por desobediência. Mas da educação inadequada que os pais o deram. Reconhecer nossos erros é algo aversivo e incompatível com a visão que inventamos sobre nós mesmos. Como dizia Skinner, importante psicólogo do século XX “Os homens agem sobre o mundo, modificando-no e são, por sua vez modificados pelas consequências de sua ação”.

É necessário refletirmos onde nós erramos quando nosso namorado sinaliza falta de atenção para conosco. É necessário refletirmos onde precisamos melhorar quando somos tratados como imaturos pelas pessoas a nossa volta. É necessário assumirmos que nós temos nossas parcelas de culpa pelas condições as quais a vida nos expõe. Nosso insucesso profissional, deve ser explicado por nossa inabilidade para buscar estarmos inseridos no mercado; como da mesma forma atribuímos sempre a culpa de nossos problemas aos outros que não nos ajudaram, devemos reconhecer que fomos nós os responsáveis por não manejar de forma adequada as contingências em prol de nosso benefício. Em análise do comportamento, chamamos de discriminação o ato de atentarmos  para determinado estímulo, quando este estímulo é nosso repertório comportamental, dizemos que estamos discriminando nossos próprios comportamentos e isso inclui a forma como estamos nos comportando e as consequências proveniente deles. Não é fácil, mas se faz necessário. No mais, não fique apenas na reflexão, aja sobre o mundo, modificando-o e por sua vez sendo modificado por ele.

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

2 comentários sobre “A culpa é dos outros?

  1. Me fez pensar naquele princípio dá ação que gera uma reação, ampliando isso para todos os âmbitos e espaços que podemos frequentar ou até os relacionamentos que estabelecemos com as outras pessoas, independente da natureza. Pensar sobre nossas ações para entender as respostas que estamos recebendo do outro não é uma tarefa muito fácil, mas, é possível, e pode ser a garantia de situações futuras mais compatíveis com as nossas espectativas.

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